Falta de um entendimento holístico da estrutura de formação do preço dos terrenos causa distorções importantes a médio e longo prazos
A relação das políticas habitacionais com o desenvolvimento urbano é bastante clara, mas nem sempre amplamente compreendida em todos os seus aspectos. Em muitas situações, a formulação e a implementação de políticas habitacionais ocorrem independentemente de diretrizes para o desenvolvimento urbano, e os efeitos negativos decorrentes podem incluir o espraiamento irracional da cidade, a exclusão social dos mais vulneráveis e o não atendimento da demanda habitacional de forma sustentável.
As políticas habitacionais, em sua grande maioria, têm sido estruturadas com pouca ou nenhuma atenção a seus impactos urbanos, e implementadas com insuficiente consideração por outras políticas e planos que afetam o desenvolvimento das cidades.
A falta de um entendimento holístico da estrutura de formação do preço dos terrenos, principalmente no que diz respeito às regras urbanísticas, infraestrutura urbana física e social disponíveis, causa distorções importantes a médio e longo prazos, comprometendo severamente os resultados da política habitacional planejada.
Embora a prerrogativa para o estabelecimento do ordenamento territorial urbano seja do governo municipal, o Estado pode e deve ter um papel indutor importante nesse processo, procurando mostrar aos municípios como estruturar modelos onde a implantação de novas habitações, em especial as direcionadas para pessoas de baixa renda, sejam localizadas em espaços compactos, em bairros providos de infraestrutura e diversificados, que contribuam para uma melhor qualidade de vida das pessoas, e para a construção de cidades melhores.
É necessário não apenas atender a demanda por habitações nas cidades do ponto de vista quantitativo, mas satisfazer os requisitos mínimos sob o aspecto qualitativo, com atenção para as questões que se relacionam não só com a vida das pessoas, mas com operação, uso e funcionalidade do tecido urbano.
O Estado pode ter uma função bastante importante nesse processo. Existem pelo menos quatro razões relevantes para a assistência do Estado na associação entre desenvolvimento urbano e habitação: carência, nos municípios, de corpo técnico para formulação de modelos e conceitos de planejamento e desenvolvimento urbano; necessidade de auxiliar as cidades a utilizar os instrumentos urbanísticos adequados, para ajudá-las a viabilizar a produção de unidades habitacionais e, ao mesmo tempo, fortalecer e melhorar as comunidades onde as pessoas vivem; preparação das cidades para receber habitações de interesse social de forma adequada; e auxílio na implantação de modelos municipais de licenciamento urbanístico mais ágeis e seguros.
Dessa forma, o Estado deveria auxiliar os municípios a desenvolverem planos urbanísticos que privilegiem a mistura de renda nas diversas regiões da cidade, além de assegurar que os mecanismos de produção de habitação de interesse social estejam vinculados à implantação em locais com infraestrutura urbana compatível.
Possibilidades de interação entre o Estado e os municípios no âmbito da produção habitacional, vinculada ao desenvolvimento urbano, podem incluir: oferta periódica de informações sobre urbanismo aos técnicos de planejamento urbano municipais; seminários para troca de informações sobre programas e modelos urbanísticos; e a criação de um portal de legislação urbanística municipal, contendo as principais disposições urbanísticas legais relevantes, utilizadas em municípios do mundo todo.
A interação entre Estado e municípios na implantação de políticas habitacionais vinculadas a modelos eficientes de desenvolvimento urbano é urgente e será, sem dúvida, uma experiência relevante para todos os estados brasileiros.
Claudio Bernardes é engenheiro civil e vice-presidente do Secovi-SP.
Artigo publicado na Folha Online em 28 de novembro de 2024.