Desde 2005, na cidade de São Paulo, as calçadas, áreas públicas de uso coletivo que permeiam linearmente todo espaço e fluxo de pessoas a pé, acompanhando todo parque edificado do município, têm sido objeto de atenção especial, segundo o Decreto Municipal 45.904/05.

São espaços por onde o cidadão exerce seu direito de ir e vir a pé – mobilidade natural; onde se dão os encontros entre as pessoas da cidade e o relacionamento humano a céu aberto – o que é saudável. Tais aspectos ressaltam a importância do tema, que agora emerge como mais uma prioridade na capital paulista e em outras cidades do País.

É também nessa área imensa que se pode agregar permeabilidade, ajudando a evitar as enchentes, e se plantar as árvores, trazendo efeito climático favorável. É de onde as pessoas enxergam, apreciam e identificam as edificações, sua arquitetura. Nas calçadas se acomodam as sinalizações da cidade (muitas desnecessárias), em postes por onde passa toda a eletricidade da cidade (emaranhado caótico que ceifa a possibilidade de crescimento das árvores).

A questão das calçadas tem de ser olhada de forma holística e sistêmica, compreendendo os outros focos da urbanização, também com um olhar o verde, includente e responsável.

Recentemente, foram promulgadas novas leis que tratam do calçamento da cidade, que vieram para regular a construção e a manutenção de passeios públicos do município de São Paulo, sob um novo padrão arquitetônico, com soluções simples e que prometem melhorar em muito a qualidade de vida (Lei municipal 15.442/11).

Um bom encaminhamento para a dinâmica proposta é que o cidadão  é quem tem melhores condições de assumir a responsabilidade de cuidar do passeio público em frente à sua residência, se bem orientado. Pelas novas regras, a responsabilidade pela construção e conservação das calçadas, antes exclusiva do proprietário do imóvel, agora é do seu usuário (inquilino, por exemplo), e isso vale para imóveis comerciais e residenciais, em toda região urbanizada. Se o munícipe não fizer a sua parte, a prefeitura pode realizar o trabalho e cobrar em dobro o custo despendido.

Inclusive, podem emergir movimentos associativos pontuais entre vizinhos para otimizar recursos econômicos e até mesmo para “adotar” calçadas que não lhes pertençam pela contiguidade.

Assim, podemos balizar dois olhares para a questão: 1) que os munícipes devem sustentar e cuidar dessas áreas da cidade; 2) que uma vez públicas, devem ou podem ser ocupadas no uso previsto, a toda população. A questão das calçadas toca a relação público-privada na cidade.

A nova legislação traz claramente os parâmetros para o cuidado das calçadas, onde o mais importante é manter 1,20 m de largura para a passagem e passeio de pedestres (antes eram 90 cm), liberando-se o restante para o plantio de árvores, paisagismo, instalação de postes e serviços municipais, aspecto que promete um impacto assemelhado com a Lei “Cidade Limpa”.

A legislação é didática. Apresenta modelos ou tipos de acabamento e tratamento, declividades, rebaixamentos, indicações de acessibilidade a pessoas portadoras de necessidades especiais etc. No aspecto “vegetação”, traz diretivas do como tratar a permeabilidade do piso, de forma a permitir o desenvolvimento das árvores e suas raízes, tão mal cuidadas.

A “faixa de serviço”, local onde ficam postes, lixeiras, telefones públicos e placas de trânsito, segue inalterada. Nessas áreas, hoje em dia, está instalado um sem número de guaritas de plástico e lixeiras irregulares, o que poderá causar sérios problemas operacionais na realocação do imobiliário urbano, mas que devolverá ao público o que é público.

Não foi previsto um plano de divulgação e conscientização quanto à importância do tema para a qualidade de vida de toda população. Na prática, a lei regulamenta as penalidades para quem inadimplir com esta obrigação: morador, proprietário, condomínio e quem quer que seja o responsável pela manutenção. A multa, que era calculada por espaço irregular, passa a ser proporcional à extensão da calçada, computada por metro linear. Espera-se que o valor iniba a transgressão, porém o fundamental é que os cidadãos entendam a relevância do cuidado com esse espaço comum.

De dentro das propriedades, era por esse espaço que se via a vida passar. Hoje, tanto no imaginário como na realidade, é onde passa o perigo que ameaça a segurança, a vida e o patrimônio dos cidadãos. Assim, com toda certeza, sua correta “ocupação” contribui para afastar e minimizar esse mal.

Em 2010 o IBGE já publicava que 77 milhões de brasileiros acima de dez anos têm medo de andar pelas ruas – uma questão de mobilidade e qualidade. A sensação de segurança se relaciona intimamente com o como o cidadão se sente nas ruas, mais que nos transportes automotores. Vale registrar que “queda da própria altura”, é o maior índice de acidentes físicos (se cai enquanto está no chão, não da escada do banquinho ou outro lugar mais alto).

O tema é importante também quanto à iluminação e tem reflexos no trânsito, pois a cada poucos metros lineares há uma entrada e saída fluída de automóveis.

O uso dos passeios por pessoas com limitações físicas, idosos, carrinhos de bebê nos ralis da cidade, grávidas etc. deixa claro o quão urgente é a necessidade desse atendimento.

Para que mais podem servir as calçadas? Podem ter bancos para descansar no caminho, observar e contemplar a vida; é um lugar de interação por excelência. Hoje as pessoas andam pouco nas cidades, e dá saudade das campanhas “mexa-se”, quando as calçadas e mesmo praças e parques, outrora sem cercas nem horários para acesso, eram ocupados em todos os níveis – físicos, psicológicos e espirituais.

O tema é multidisciplinar. Outras áreas de estrutura da cidade poderiam aproveitar este embalo e acertar os serviços de água e energia elétrica, limitando e regulando a liberdade da boa prestação destes serviços, todos.

A Prefeitura disponibiliza, pelo “disque calçadas” 156, orientação aos munícipes, e em seu site pode ser baixada uma apostila sobre o tema. É indispensável que todos se comprometam. Afinal, a calçada é o espaço da cidadania.

(*) Michel Rosenthal Wagner é membro das vice-presidências de Sustentabilidade e de Administração Imobiliária e Condomínios do Secovi-SP e diretor do escritório MRWAdvogados.