Cimento: choque de oferta para evitar memória inflacionária

A Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) entregou ao governo federal, nesta segunda-feira (14), um documento que reúne evidências sobre abusos no aumento do preço de materiais de construção durante a pandemia. O material, levado à Secretaria de Advocacia da Concorrência e Competitividade do Ministério da Economia, demonstra causas e consequências para os aumentos e para o desabastecimento, além de apresentar propostas para mitigar os seus efeitos na economia nacional.

Para o presidente da CBIC, José Carlos Martins, o aumento nos preços é resultado da falta de oferta de produtos em quantidade suficiente para atender o mercado, uma vez que foi criado um desequilíbrio artificial por parte das empresas. “Com a insegurança inicial gerada pela pandemia, em março, foi gerado um falso desabastecimento, que foi sendo aproveitado pelos fornecedores para recuperar preços. Se não houver um choque de oferta urgente, a memória inflacionária irá criar um caminho sem volta para a nossa economia”, disse.

Para comprovar essa narrativa, a CBIC realizou o cruzamento de informações presentes em diversos documentos, cotações e declarações para acionistas por parte de grandes indústrias. São apresentados, por exemplo, dados que podem demonstrar interferência no mercado por parte de uma siderúrgica, além do posicionamento de uma entidade da indústria do cimento declarando que o setor possui 45% de capacidade ociosa e que está aproveitando para recuperar preços. O levantamento ainda traz correspondências enviadas por diferentes fabricantes de insumos comunicando aumentos idênticos nos preços dos mesmos produtos, simultaneamente, para a mesma região.

De acordo com a entidade, o cenário de aumento dos preços e desabastecimento terá uma série de consequências, como desemprego, aumento do custo das obras públicas e dificuldades para viabilização do programa Pró-Brasil, criado para impulsionar obras em infraestrutura. De acordo com vice-presidente da área de Infraestrutura da CBIC, Carlos Eduardo Lima Jorge, para as construtoras de obras públicas, já com dificuldades de capital de giro, a busca pelo reequilíbrio dos contratos em função desses aumentos é um processo demorado. “A consequência imediata será a redução do ritmo das obras e o desemprego de funcionários”, explica.

A CBIC também prevê aumento do custo dos imóveis populares, o que irá gerar a necessidade de aumento de subsídio. Para o vice-presidente da área de Habitação de Interesse Social da entidade, Carlos Henrique de Oliveira Passos, nos programas voltados para esse tipo de imóvel não há espaço para repasse de preços. “Isso afetará o apetite para novos lançamentos. Para as obras em andamento, como não há correção sobre os valores desembolsados pela Caixa, nossa preocupação maior é pelo impacto no desequilíbrio contratual e eventuais paralisações”, avalia.

No documento entregue ao governo, a entidade fala das incertezas que marcaram o setor da construção civil no início da pandemia, quando as indústrias reduziram seus efetivos e fecharam fábricas, reduzindo substancialmente a oferta de produtos. Em especial os setores de aço e cimento, que têm em seus fornos o grande limitador de produção. Entre as propostas enviadas ao governo está a redução da capacidade ociosa com a reativação dos fornos que estão inoperantes e a limitação da cota de exportação enquanto os fornos não voltarem a operar nos mesmos níveis de março.

Na avaliação de Antonio de Sousa Ramalho, presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Industrias da Construção Civil de São Paulo (Sintracon-SP), é fundamental que haja uma conscientização do governo para os riscos desses aumentos nos preços. “Com as obras trabalhando a todo vapor e investidores acreditando que uma das saídas para a retomada do crescimento se dará pela construção, não podemos aceitar aumentos abusivos para os insumos do setor”, explica.

Outra consequência dos aumentos apresentada ao governo é o risco de uma redução significativa no número de lançamentos de imóveis neste segundo semestre, o que significa menos empregos e aumento nos preços. “A grande preocupação, no momento, é que os incorporadores, em função desses aumentos inesperados, passem a duvidar da viabilidade dos empreendimentos a serem lançados”, explica Celso Petrucci, vice-presidente da área de Indústria Imobiliária da CBIC. Para ele, se isso acontecer, com a queda da oferta final dos últimos trimestres, o setor pode ter um aumento de preços não desejável.

Pesquisas – Nos últimos meses, a CBIC realizou duas pesquisas para verificar o que estava ocorrendo em relação ao desabastecimento e ao aumento nos preços dos materiais. A primeira, entre os dias 16 e 21 de julho deste ano, contou com 462 respostas oriundas de construtoras e incorporadoras de 25 estados. A segunda, no início deste mês de setembro, compilou documentos apurados e recebidos das próprias empresas fornecedoras dos materiais.

Por meio das pesquisas, a entidade verificou que durante a pandemia, em especial nos meses de julho e agosto, houve um incremento expressivo nos preços dos materiais, um movimento completamente alheio à realidade inflacionária nacional. Evidências dessa afirmação já são observadas, inclusive, nos indicadores de custos setoriais. O ‘Índice Nacional de Custos da Construção – Materiais e Equipamentos’, calculado e divulgado pela Fundação Getúlio Vargas, apresentou um aumento de 4,02% no período dos 12 meses encerrados em maio deste ano. Já no período de apenas três meses, entre junho e agosto, a alta registrada no indicador foi de 3,80%.

Clique aqui para baixar o documento entregue à Secretaria de Advocacia da Concorrência.

Fonte: CBIC