Nas cidades, os projetos devem ser desenvolvidos para atrair as pessoas, com estímulo ao uso do passeio público e com parques, teatros, cinemas, restaurantes e comércios que desencorajem o uso do carro. Com essas orientações, David Fields, diretor da Nelson Nygard Consulting Associates, falou do modelo adotado na Filadélfia, nos Estados Unidos, durante o painel “O moderno planejamento orientado para o transporte coletivo e para as pessoas (TOD) e estacionamento inteligente”, dia 20/9, na Convenção Secovi, abrindo os trabalhos do Fórum Urbanístico Internacional.
Para ele, transporte significa priorizar a vizinhança “andável”, com construções de uso misto orientadas para os pedestres, para a utilização de bicicletas, trens e ônibus com rotas fáceis. O carro como meio de locomoção é condenável, porque requer vagas de estacionamento.
Fields compara: “em um restaurante, uma mesa com duas pessoas sentadas ocupa 2,25 metros quadrados. No escritório, a área que abriga um funcionário é de 6,5 metros quadrados, em média. Já um carro estacionado toma 18 metros quadrados do espaço urbano”.
Chaves – Para o bom uso compartilhado do solo, Fields recomenda a adoção de seis pontos-chaves: segurança, iluminação, direção, transporte público, conforto e estética. “A velocidade nas ruas deve ser lenta. Carros circulando a mais de 30 quilômetros por hora geram acidentes fatais”, explicou. Além desse cuidado vital, os espaços nas cidades devem ser agradáveis, para que a caminhada seja interessante, e os bicicletários seguros e protegidos, com chuveiros e vestiários.
Porém, se a cidade mantiver a estratégia do desenvolvimento orientado para o trânsito, deve-se ter consciência que o carro será priorizado e que haverá a necessidade de combinar os espaços de estacionamento com as áreas para os pedestres, com limitação do número de vagas nas estações de transporte público. “Quanto mais estacionamento, mais trânsito e poluição. Vagas nas ruas devem ser cobradas, porque ocupam espaços privilegiados. Essa é uma forma de reduzir o número de carros e evitar que dominem as comunidades”, defendeu Fields.
O urbanista lembrou que, em 2100, a temperatura média global estará de 2 a 8 graus mais elevada, conforme estudos da Nasa, agência espacial americana, e os carros são os principais vilões para esse trágico futuro. “Temos a oportunidade de mudar com planejamentos de transporte orientados para as pessoas”, concluiu.
Estacionamento inteligente – Na Europa, a população percebeu que os estacionamentos causavam grande impacto negativo nas cidades, fato que levou a uma grande mudança cultural, com a adoção de bicicletas e até mesmo o fim das vagas. “Em Londres, o prédio mais caro não tem uma única vaga”, exemplificou Michael Kodransky, gerente de programa de redução de tráfego do ITDP (Institute for Transportation and Development Policy) de Nova York. Em menor escala, essa transformação também ocorreu nos Estados Unidos.
Na avaliação do especialista, em São Paulo, os motoristas acham que estacionamento é um direito público. “As pessoas são expulsas dos espaços públicos e falta regulamentação para estacionar nas ruas”, opinou.
Ele citou outros exemplos europeus de sucesso, como a cidade de Breda, na Holanda, onde um grande canal foi fechado para virar estacionamento. Na mesma década, porém, foi reaberto a fim de receber espaços para pedestres, praças e promover a redução de carros, com a adoção de parquímetros. “Os motoristas são muito sensíveis aos preços.”
Em Zurique, na Suíça, a cada 30 minutos aumenta o preço marginal do estacionamento. Em Amsterdã é proibido estacionar nas ruas e as vias são fiscalizadas por câmeras fotográficas capazes de disparar 160 vezes por segundos. Também são alvos os veículos que trafegam a mais de 40 quilômetros por hora. Lá, os condomínios residenciais esperam em torno de 10 anos para conseguir licenças de estacionamento em frente aos edifícios. Veículos mais “sujos” pagam mais por esse licenciamento.
Em Paris, empresários imobiliários recebem incentivos fiscais, que podem chegar a 100%, para empreendimentos localizados a 500 metros do metrô. Muitos estacionamentos foram retirados das ruas e substituídos por parques e bicicletários – são mais de 20 mil locais onde é possível alugar uma bicicleta. Os que foram mantidos cobram caro pelo serviço de vallet. Em Londres, os recursos dos estacionamentos servem para subsidiar o transporte gratuito para idosos e deficientes físicos. “É possível criar boas políticas nesse sentido e melhorar a qualidade de vida das pessoas”, concluiu Kodransky.
Transporte integrado – No Brasil, o crescimento das cidades ganhou intensidade na segunda metade do século 20 e as autoridades públicas não se preocuparam em planejar esse desenvolvimento. Agora, metrópoles como São Paulo apresentam graves problemas ligados à mobilidade urbana, como a discriminação de pedestres.
O Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), cujo princípio técnico é basicamente o mesmo dos bondes que circularam na Capital até meados dos anos 1960 – é a aposta de Fernando Fernandes, da TR consultoria e ex-secretário de Turismo do Rio Grande do Norte. “Ele não polui, tem baixa emissão de ruídos e as pessoas passam a ser protagonistas.”
Além de ecológico, esse tipo de transporte é capaz de atender grande número de passageiros, com acessibilidade, pois o piso é baixo – na altura do chão, sem o uso de degraus –, com sinalizações táteis, sonoras e visuais para atender pessoas com deficiências. Na cidade de São Paulo, o VLT pode utilizar a fiação dos trólebus. “Queremos trazer a cidade para o cidadão.”