Em sua história recente, o Brasil venceu uma série de deficiências na sua capacidade de investir em infraestrutura, aliando regras claras, o cumprimento de contratos e o consórcio dos investimentos públicos e privados, com regulação adequada pelo Estado.
Como exemplo, temos a infraestrutura das telecomunicações. O fim da proibição que existia na Constituição Federal em 1995, com a emenda que possibilitou a exploração desse serviço público essencial por meio do mantra “universalização do serviço x concorrência com capital privado”, propiciou investimentos vultosos, que hoje fazem gerações inteiras não saberem para que servem os telefones fixos.
Por outro lado, o marco regulatório da distribuição e geração de energia elétrica, que igualmente obteve emenda à Constituição no mesmo sentido, foi indevidamente congestionado pelo apagão de 2001, o qual interferiu enormemente nas regulações da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), e mesmo de outros dispositivos legais, não permitindo o desenho inicial pretendido em 1995 – concorrência entre as distribuidoras de energia, sem se ater aos limites territoriais, tal qual acontece na telefonia móvel.
Em 24/6 deste ano, o Senado Federal aprovou o PL 4162/2019 (Marco Regulatório do Saneamento Básico) e inaugurou, espera-se, uma regulação para finalmente acabarmos com a grande demanda do século XIX e que envergonha a todos nós: a inexistência de água tratada e esgoto para mais de 100 milhões de brasileiros.
Entretanto, é preciso que se resolva a segurança jurídica para a devida atração de capital público e/ou privado necessário ao enorme investimento. Nesse aspecto, é fundamental que erros cometidos na regulação dos serviços de distribuição de energia elétrica não sejam replicados nessa importante infraestrutura da cidadania. Como naquele marco regulatório, há ações de curto e médio prazo às quais a sociedade toda deverá se ater.
Em curto prazo, que a Presidência da República não aplique veto ao dispositivo que dá transparência aos investimentos dos empreendedores privados em obras de saneamento que seriam de responsabilidade do poder concedente ou seus concessionários. Esse dispositivo, mais do que garantir a correta responsabilização, dará a clareza aos planos de universalização de saneamento básico, tarifas, prazos, cronogramas, contratos de concessão etc. Tais elementos foram negligenciados ou pouco cristalinos na regulação das distribuidoras de energia elétrica e, ainda hoje, impossibilitam que a sociedade entenda corretamente o valor da tarifa cobrada.
Em médio prazo, após a promulgação do novo marco regulatório, a sociedade deve acompanhar e colaborar para que tenhamos uma agência reguladora do saneamento básico (ANA) com um corpo técnico ágil, competente e, acima de tudo, que os atos de regulamentação dos cronogramas de investimento, e dos critérios de concessão, sejam facilmente compreensíveis por gestores públicos e cidadãos. E, mais: com segurança jurídica, garantindo que aqueles que aportarem capital terão por parte dos Poderes Executivos, e, principalmente, do Poder Judiciário, respeito ao cumprimento dos contratos em seus dois balizadores: deveres e direitos.
O Secovi-SP, a AELO e as entidades da mobilização empresarial Reformar para Mudar estão empenhados em promover as ações da sociedade civil em prol da reconstrução do Brasil com vista ao desenvolvimento sustentável. O marco do saneamento é a resposta para diminuir a desigualdade social e pagar uma conta que vem desde o século XIX.
*Presidente da Aelo e vice-presidente de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente do Secovi-SP
8 de julho de 2020