Elevação da carga tributária na locação será enorme e desproporcional, mesmo com os redutores de alíquotas previstos na reforma. Confira artigo do presidente Rodrigo Luna

Rodrigo Luna é presidente do Secovi-SP

Dentre as mazelas da humanidade, a ausência da moradia digna, do lar adequado para viver e poder formar o núcleo familiar, é das mais perversas.

Em toda política habitacional, a locação é vertente fundamental. Muitos não têm como adquirir a casa própria; não se enquadram nas exigências de um financiamento bancário ou são jovens que recorrem à locação antes de comprar seu imóvel. Portanto, alugar é uma necessidade.

Com o tempo, o investimento em imóveis para alugar foi se intensificando e se aprimorando. Empresas e grupos de investidores têm incrementado a produção de habitações para aluguel. Nos Estados Unidos, há 17 milhões de unidades com essa destinação. No Brasil, a tendência está começando a esquentar (por enquanto são apenas 10 mil unidades), o que representa o sonho de qualquer inquilino: um mar de ofertas.

Segundo o último Censo do IBGE (2022), 21,1% dos mais de 74 milhões de domicílios no país são alugados. Admitindo que cada imóvel tenha três ocupantes, quase 47 milhões de pessoas têm no aluguel a chance de morar com maior dignidade.

Uma vez que a demanda existe, temos um déficit habitacional de 7 milhões de unidades — o que equilibra o mercado de locação residencial é a oferta. Oferta que poderá ficar comprometida se não for ajustada a proposta da reforma tributária em discussão no Congresso Nacional.

Pelos estudos realizados, o aumento da carga tributária será superior a 130%. Aumento que atuais inquilinos e futuros candidatos à locação terão dificuldade em absorver. Que levará um quinto da população brasileira a pagar um novo tributo (CBS e IBS), hoje não incidente na locação de imóveis — os atuais impostos municipal (ISS) e estadual (ICMS) não incidem na locação de imóveis. Com a reforma, esses impostos serão substituídos pela CBS e pelo IBS, que passarão a ser cobrados na locação. Mesmo com os redutores de alíquotas previstos no projeto, a elevação na carga na locação será enorme e desproporcional.

Diante desse cenário preocupante, vale a reflexão: por que o investidor, em sã consciência, seguirá num mercado em que o aluguel se tornará inacessível ao inquilino? Os proprietários terão de transferir a diferença do aumento da carga tributária aos locatários, encarecendo os aluguéis. Poderá haver um ciclo de inadimplência e desocupação de unidades. Cidadãos e empresas poderão reduzir drasticamente a produção de habitação para locação. E, como agravante, pelas regras previstas na reforma, o locador terá de pagar imposto independentemente de receber o aluguel. Nesse cenário, haverá pressão inflacionária relevante no mercado.

Se isso não mudar, os investimentos no segmento de locação poderão sofrer grande fuga para outras atividades. Serão destinados a aplicações financeiras, o que ampliará o risco de crise habitacional ao afastar milhares de famílias do acesso rápido e fácil à moradia que o aluguel representa e ao amplificar o status dramático do déficit habitacional.

O Brasil há tempos precisa de uma reforma tributária que traga modernização, simplificação, neutralidade e eficiência ao sistema fiscal. No segmento imobiliário, entretanto, não é isso que se propõe. A complexidade será muito maior, e investimentos terão tratamentos desiguais.

Imóvel e locação são investimentos, não consumo, razão por que todos os países que adotam o modelo de IVA (Imposto sobre Valor Agregado) criam regras específicas para a atividade imobiliária.

O simples ímpeto de aumento de arrecadação sobre o produto residência está em desarranjo com uma política nacional de habitação consistente, para que as famílias brasileiras não sejam afastadas do direito constitucional à moradia digna.

 

 

 

 

Artigo publicado no Jornal O Globo de 7/11/2024 – Opinião (P.3)