Criado pela Lei 12.651/2012, que instituiu o novo Código Florestal, o CAR (Cadastro Ambiental Rural) é um importante instrumento que estabelece uma base georreferenciada de todas as propriedades do Brasil. As implicações do CAR no setor de loteamentos foi tema do 2º Encontro Secovi PQE, promovido pelo Programa Qualificação Essencial do Sindicato na terça-feira, 28/4, reunindo mais de 100 profissionais que atuam na área de parcelamento do solo urbano, entre presenciais e aqueles que acompanharam via transmissão simultânea.
Para o coordenador dos trabalhos, Caio Portugal, vice-presidente de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente do Secovi-SP e presidente da Aelo (Associação das Empresas de Desenvolvimento Urbano), a procura pelo assunto decorre em função de exigência do novo Código Florestal (Lei 12.651/2012) e a fim de esclarecer como fica o relacionamento entre os proprietários e órgãos licenciadores.
Antonio Luiz Lima de Queiroz, assessor da diretoria de Controle e Licenciamento Ambiental da Cetesb (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental), explicou em detalhes o sistema e como efetuar o cadastro. “O CAR é positivo, ambicioso e proporciona uma série de benefícios a proprietários, governo e meio ambiente”, afirmou. Aliado ao Programa de Regularização Ambiental (PRA), é uma das grandes inovações que a nova lei ambiental trouxe, na visão do assessor. “Há uma série de alterações positivas, desde que consigamos implementá-las e fazer com que funcionem.”
Segundo ele, o sistema permitirá olhar o País inteiro, trazendo todos os Estados para o cumprimento da Lei e permitindo um tratamento mais isonômico da questão ambiental. A ideia do CAR é fazer uma base georreferenciada global das propriedades do Brasil, o que proporciona demarcação muito melhor do ponto de vista da informação e da fiscalização.
De imediato, na avaliação de Queiroz, o CAR permite a comprovação da regularidade ambiental da propriedade pelos produtores rurais, previne quanto à questão da reserva legal, suspende eventuais sanções (multas aplicadas antes de 2008 serão convertidas em prestação de serviços), além de garantir acesso a autorizações e licenciamentos ambientais e a programas de regularização.
O cadastramento é simples e as perguntas acionam dispositivos da Lei 12.651, conforme explicou o palestrante. Na fase de Mapas, é relacionada a situação do imóvel e caixas de diálogo indicam o que existe ou não na propriedade (áreas ocupadas com atividades antrópicas, limites, reserva legal, etc.). A partir dessas informações, será desenhado o mapa do imóvel. “É um retrato da propriedade!”
O cadastro não é um comprovante de domínio e propriedade, é um instrumento relacionado à posse do imóvel. Tem duas possibilidades: baseado em matrícula ou na posse (mediante comprovação com documentos).
O sistema é declaratório (semelhante ao Imposto de Renda). Pode conter erros, disse ele. Porém, se o imóvel passou por licenciamento ambiental, a qualidade do cadastro será diferenciada. O CAR exige ainda que se carreguem os compromissos assumidos com órgãos ambientais. “As informações serão checadas posteriormente e, se houver divergência, o proprietário será notificado.” Além disso, quando descrita a área rural consolidada, será gerada solicitação de APP (Área de Preservação Permanente) automaticamente.
Programa de Regulamentação Ambiental
A partir do momento que se tem o desenho inteiro da propriedade, devem ser relacionados os problemas e a proposta de plano de recuperação ambiental. Se aceito, é formalizado um termo de compromisso e o prazo a ser cumprido pelo proprietário. Conforme preconiza o artigo 59 da Lei 12.651, a União e os Estados estão obrigados a implantar Programa de Regularização Ambiental (PRA) das propriedades. Em São Paulo, o PRA foi instituído pela Lei 15.584/2015 e será implantado pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente – minuta de decreto está pronta.
A adesão ao PRA é voluntária, mas trata-se de importante instrumento para regularizar reserva legal e APP. O mesmo artigo 59, em seu parágrafo 4º, estabelece que, ao aderir ao PRA e “enquanto estiver sendo cumprido o termo de compromisso [cadastro no CAR e no PRA], o proprietário ou possuidor não poderá ser autuado por infrações cometidas antes de 22 de julho de 2008, relativas à supressão irregular de vegetação em Áreas de Preservação Permanente, de Reserva Legal e de uso restrito”. E, conforme dito anteriormente, as multas serão convertidas em prestação de serviço de preservação ambiental.
O artigo 61 permite que se mantenha a ocupação das APPs tanto para atividades agrosilvopastoril quanto para ecoturismo e turismo rural – desde que dentro do mesmo rol de atividades. Mas não é possível utilizar uma área que era ocupada com agricultura na APP e transformar em uso de turismo rural. Esse dispositivo de uso da APP só vale para o imóvel rural. Ao ser convertida em área urbana e passar a ter uso urbano, deixa de ser agrosilvopastoril e a APP continua tendo seus 30 metros exigidos ao longo dos cursos d’água.
Hoje, há um processo dinâmico de cadastramento e posterior adesão ao PRA que irá se encerrar com a completa regularização do imóvel.
Licenciamento em parcelamento do Solo
Após as explicações gerais, Queiroz transportou todas essas questões para a situação do empreendedor que vai, numa área de expansão urbana, adquirir um imóvel rural e fazer o parcelamento do solo. Lembrou que, no passado, ao comprar imóvel com reserva legal, o empreendedor constituía este trecho em área verde, mecanismo já consagrado e inserido na Lei 12.651/2012.
Agora, situação é outra: o empreendedor vai comprar um imóvel rural, que possui o CAR, no qual há proposta de constituição da reserva legal. Diante de tal situação, surgem dúvidas como: posso alterar este desenho? Essa proposta demarcada pelo proprietário é a área que tem de ser realmente constituída reserva legal? Como lidar com essa situação?
Queiroz disse que são duas situações diferentes. A primeira é saber se existe vegetação nativa, ou seja, se a reserva está desenhada sobre uma área de vegetação. Em caso positivo, a reserva é naquele local e não há outra alternativa possível. “Há é uma redução de tamanho da reserva para propriedades com menos de quatro módulos, com a condição de que se constitua a reserva com os fragmentos de vegetação nativa que ali existam.
Portanto, ao se deparar com o CAR de um imóvel rural, com áreas delimitadas com vegetação nativa indicadas como reserva legal, averbada ou não no Cartório, aquela é a área de reserva legal da propriedade e não será possível alterá-las. Se o imóvel não tem uma área de reserva legal, mas o proprietário está com proposta nesse sentido, é possível que a alteração seja feita no momento do licenciamento, durante a conversão de rural para urbano, conforme explicou Queiroz.
Segundo ele, é importante ressaltar que o CAR está fora da Cetesb e da Secretaria de Estado do Meio Ambiente, que são usuárias do sistema na medida que usarão o cadastro e o PRA para dimensionar suas ações de gestão e de recuperação ambiental. Toda vez que alguém entra no sistema, como usuário, o órgão acessa o registro para fazer a análise técnica do licenciamento, pede ao proprietário para alimentar os novos dados e valida o CAR.
Dentre as situações ‘congeladas”, ou seja, que não podem ser feitas, Queiroz relacionou: corte da vegetação existente que constitui a reserva legal por lei; alterar a constituição da reserva legal feita por termo de compromisso de instituição anterior, protocolizado, assinado, levado a registro; a reserva legal constituída em decorrência de termo de ajustamento de conduta com o Ministério Público – que somente poderá ser revista mediante anuência do MP.
Mesmo assim, do ponto de vista da administração pública, podem ser revistas as áreas de reserva legal derivadas de termo de compromisso assinado com o órgão licenciador, nas quais se comprove claramente o vício técnico.
As APPs são também outro assunto que interessa ao setor. “Não se iludam se, ao olhar um CAR, houver uma delimitação de área de uso consolidado em APP. Ela só vale para atividade agrosilvopastoril, de ecoturismo e turismo rural. No momento em que o imóvel se tornar urbano, a APP passa a ter sua dimensão normal”, alertou.
Antonio Queiroz abordou também as situações do cadastro num momento em que o PRA ainda não foi instituído. Pode haver o status em cadastramento, quando a inscrição teve início mas não foi encerrada, por uma série de motivos (dificuldade técnica, insegurança, falta de condição, etc,). Existe a possibilidade de o sistema gerar um protocolo apontando que a pessoa tentou fazer o cadastro. O outro estado é ‘inscrito’, ou seja, o usuário completou o cadastro e confirmou.
O próximo status, ‘aguardando alteração’, é quando a pessoa se inscreve, o sistema detecta alguma divergência e indica a necessidade de alterar o CAR por incongruência com as demais informações. Após comunicar o proprietário de que é preciso alterar algum dado, surge o estado “Em alteração”, durante o qual o cadastro fica aberto para que ele efetue a atualização. Finalmente, ao conseguir homologar as informações, o sistema passa para homologado, inválido (pode ocorrer algum vício nesse caminho) ou de cancelado (quando aquela gleba rural desaparecer completamente, até por meio de um parcelamento do solo urbano).
Falando em prazos, o primeiro refere-se ao CAR, que se encerra em 5 de maio de 2015. “São Paulo, um mês atrás, estava com quase 40% dos imóveis cadastrados, mas há outros há Estados que têm quantidade muito baixa de cadastramento, informou Queiroz, acrescentando que existe a possibilidade legal de prorrogar este prazo por mais um ano, o que depende de decisão do governo federal (em 4/5, o prazo foi prorrogado; saiba mais).
As diretrizes gerais do PRA deveriam ser estabelecidas pela União e demoraram a sair. A partir delas, caberá ao Estado determinar suas próprias diretrizes – o teor está inserido em minuta decreto, que deve ser lançado ainda no primeiro semestre ou no início do segundo semestre. Ele recomenda atenção, pois se perder o prazo para adesão ao PRA deixa de ter acesso ao conjunto de benefícios oferecidos pelo programa.
Após aprovação do PRA, deve ser feita a assinatura do termo de compromisso e o imóvel estará regular até que se cumpra o acordado. E, neste aspecto, ele fez mais um alerta: “se, no futuro, vocês forem adquirir um imóvel que fez adesão ao PRA, as condições previstas no termo têm de ser cumpridas. É possível fazer ajuste, desde que previsto em lei.”
Ainda, ele ressaltou que compensação ambiental, estando registrada no PRA, é obrigação do imóvel que a originou, independentemente de ser cumprida em outro imóvel. “Quando a reserva legal de uma propriedade estiver localizada fora dela, a manutenção dessa reserva é uma obrigação daquele imóvel.
Finalizando, Antonio Queiroz reiteirou que as ferramentas são boas. “Falo do ponto de vista do licenciador, que gosta de regras claras, que todos entendem, conseguem acompanhar e verificar. Sob este aspecto, o CAR e o PRA podem proporcionar um ambiente de segurança jurídica muito melhor do que o que temos hoje. Pode dar muito mais segurança para quem licencia e para quem solicita o licenciamento.”
Confira a apresentação feita durante o Encontro.