Basilio Jafet: “O setor imobiliário se constitui em campo aberto para quem quer
transformar leis em loas”

Desde a Constituição de 1988 até 2017, o Brasil editou e publicou mais de 5,4 milhões textos normativos federais, estaduais e municipais – quase 770 normas por dia útil, conforme levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT).

Por si só, arcabouço legal de tal magnitude ensejaria dificuldades para a sustentação da segurança jurídica em qualquer país onde impera o Estado de Direito, onde prevalece a premissa da legalidade.

É por esta razão que nossa insegurança jurídica é forte componente do chamado Risco Brasil. E mais: à luz de interpretações, muitas leis viram loas. O indivíduo segue as normas ao pé da letra. Tudo dentro da mais absoluta conformidade. Até que uma voz entende diferente e aciona os caminhos competentes, e os competentes decidem que aquela legislação, que foi integralmente atendida, não deveria viger como tal.

O setor imobiliário se constitui em campo aberto para quem quer transformar leis em loas. Numa canetada, embarga-se um empreendimento realizado conforme a regulamentação.

Um dia a verdade se impõe. Descobre-se que aquele empreendimento estava absolutamente correto. Mas até esse dia chegar se vão anos. Os prejuízos são enormes. E não há como recuperá-los, pois, extrapolam o caráter financeiro. Há o abatimento moral perante clientes, fornecedores, investidores e a sociedade em geral. Pior ainda quando tais investidores são do exterior, habituados à segurança jurídica. Nesses casos, ao quadro de sombrias emoções soma-se a vergonha. Como explicar o inexplicável?

No último Doing Business do Banco Mundial, documento anual sobre a facilidade de se fazer negócios em diferentes economias no planeta, o Brasil melhorou um pouco sua posição no ranking: saiu do 125º lugar (2017) para o 109º lugar em 2018. Situamo-nos entre a Arábia Saudita e a Argentina, atrás da Namíbia e de Papua-Nova Guiné, o que é inaceitável para um país que almeja plena inserção na arena mundial.

O Brasil está abrindo caminho para melhorar sua posição nesse ranking. Aprovou reformas para ajudar na criação de empregos, atrair investimentos, tornar sua economia mais competitiva e melhorar o ambiente de negócios.

Entretanto, impossível não voltar às leis e às loas. Basta ver os questionamentos à nova legislação trabalhista, democraticamente aprovada pelo Congresso Nacional. Ou à lei que regulamentou os distratos imobiliários (um pesadelo que jamais existiria não fossem as loas).

E o que dizer da Lei da Liberdade Econômica, sancionada em 20 de setembro último? Inovadora e modernizadora, a norma vem para reduzir a burocracia nas atividades econômicas. Libera horários de funcionamento dos estabelecimentos e suprime necessidade de alvarás para atividades de baixo risco, dentre outros pontos.

Uma lei oportuna. Mas será que se transformará em loa quando um vizinho entender que a costureira ou o sapateiro (incluídos nas atividades de baixo risco) não poderiam funcionar sem alvará? Pode ser que, a qualquer momento, o cheiro da cola de sapato esteja no ar. Ou que linhas coloridas escapem da lata de lixo e caiam nas calçadas. Argumentos não faltam, embora fundamentos, sim.

E o que dizer do “abuso regulatório”? Eis aí uma matéria que, como se diz vulgarmente, dará panos às mangas.

A princípio, a regra é clara. Classifica como abuso regulatório atos como criar reservas de mercado para favorecer um grupo econômico em prejuízo de outros concorrentes.

Porém, neste país que tem tudo para ser uma maravilha (e, confiemos, um dia será), é preciso torcer para que essa nova regra vigore para valer. Ela e tantas outras boas legislações inseridas naquele cipoal de leis, não raro esvaziadas em seus efeitos por conta de interpretações ou normas posteriores que lhes são antagônicas ou excludentes.

Por enquanto, cabe a nós, empreendedores brasileiros, sobreviver como leões e leoas nas savanas do imponderável. Acreditar, confiar, correr, realizar (e rezar).