Afinal, qual tem sido a importância dos automóveis na vida urbana? Aparentemente o que tem impulsionado o uso do automóvel nas cidades, nas últimas décadas, é a possibilidade de deslocamentos de forma independente, por longos ou curtos trajetos, normalmente de forma mais rápida e confortável do que em outros tipos de transporte.
Por essa razão, as cidades têm sido projetadas com prioridade para o tráfego de automóveis, o que tem tornado a dependência dos automóveis um grave problema para a maioria dos grandes centros urbanos. A Bloomberg estima que esta tendência atingirá o seu pico em 2036, quando existirão pouco mais de 1,5 bilhão de automóveis em todo o mundo, incluindo mais de 250 milhões só na União Europeia (UE).
Segundo a Associação Internacional de Transportes Públicos, em média, 44% dos deslocamentos diários urbanos, na amostra das cidades monitoradas, são realizados de carro. No entanto, cidades como Viena, Praga e Casablanca possuem percentuais bem abaixo da média; 27%, 25% e 15%, respectivamente.
Por outro lado, cidades como Chicago, Sydney e Abu Dhabi apresentam números bem elevados; 81%, 73% e 72%, respectivamente. Na região Metropolitana de São Paulo (RMSP), esse número está abaixo da média, é 27%.
Além disso, algumas cidades têm apresentado uma trajetória decrescente de utilização do automóvel nos últimos anos, como Tóquio, Genebra e Bruxelas, embora tal abrandamento geralmente ainda não seja visível quando se consideram áreas metropolitanas mais amplas.
Segundo última Pesquisa Origem e Destino (OD), efetuada pelo Metrô de São Paulo em 2017, na RMSP, a frota de 4,4 milhões de carros cresceu 22,8% em relação à 2007. No entanto, contrariando as previsões de que mais automóveis significam mais viagens de automóvel, no mesmo período, o número de viagens diárias de automóvel em São Paulo cresceu somente 6%.
A explicação para esse fato pode estar na expressiva elevação do número de viagens de metrô em 86%, e no aumento em 35% do número viagens em trens urbanos.
Outra questão importante é a suposta relação direta entre a existência de vagas para automóveis e o número de viagens de automóveis. Essa relação pode, em alguns casos, ocorrer; mas é necessário distinguir entre a existência de vagas para automóveis na origem e no destino. Ou seja, possuir um veículo, o que significa, em princípio, a existência de uma vaga na origem, não significa obrigatoriamente que esse automóvel fará viagens todos os dias para todos os lugares.
Por outro lado, a facilidade de estacionar no destino pode sim, de alguma maneira, encorajar as viagens de automóvel. Dados da pesquisa da Companhia do Metrô, indicam a existência de facilidade para estacionamento no destino de muitos deslocamentos na RMSP.
Certamente, os dados da pesquisa do Metrô devem ter sofrido alterações ao longo dos últimos sete anos, mas alguns indicativos são importantes e merecem ser melhor avaliados, para que possamos planejar modelos de deslocamento mais eficientes em nossas áreas urbanas.
Diminuir a dependência dos automóveis nas cidades, significa viabilizar o direito de as pessoas realizarem suas atividades diárias sem necessitar do carro. A questão política pertinente é como garantir um nível adequado de acessibilidade sem carros, por meio de opções de deslocamento que incluem transporte público, caminhada, ciclismo e integração de modais, além da reestruturação dos modelos de uso e ocupação do solo, de modo a permitir a redução das distancias das viagens.
Neste contexto, o incentivo aos modais não motorizados e o aumento da disponibilidade de transporte público de massa, com alta capilaridade, eficiência e conforto, parecem ser excelentes alternativas para induzir as pessoas a deixarem seus carros em casa ao fazerem suas viagens diárias, garantindo, entretanto, que seja financeiramente viável para os grupos mais vulneráveis, utilizar esses sistemas de transporte público.
Claudio Bernardes é engenheiro civil e vice-presidente do Secovi-SP.
Artigo publicado na Folha Online em 30 de janeiro de 2025.