No município de São Paulo, o uso do território para atender à demanda por habitação em áreas dotadas de infraestrutura urbana de melhor qualidade é extremamente baixo. Isso porque, há muitas décadas, as leis urbanísticas caminharam com a tese de espraiamento da cidade. Tal opção atendeu os poucos (26% dos habitantes) que já estavam morando bem, mas trouxe complicações de toda ordem para a maioria da população, que se viu obrigada a residir nas áreas mais periféricas.
Até recentemente, o coeficiente de aproveitamento dos terrenos era, no máximo, de quatro vezes a área, enquanto em boa parte das metrópoles do mundo esse patamar chega a oito vezes ou mais. Em Buenos Aires, Barcelona e Seul, por exemplo, ele é duas vezes maior.
Na capital paulista, o adensamento urbano também é muito inferior ao de cidades de vários países. São Paulo tem 7,5 mil habitantes por quilômetro quadrado (Censo 2022), enquanto Paris e Manhattan agrupam 21 mil e 27 mil habitantes, respectivamente. Tal concentração conduz ao conceito de cidades inteligentes, que, mais que digitais, são cidades conectadas, em que as pessoas estão próximas de suas atividades diárias.
O economista norte-americano Edward Glaeser defende o adensamento urbano como medida sustentável. Segundo ele, concentrar pessoas em áreas dotadas de infraestrutura gera menos impacto ambiental por reduzir a necessidade de deslocamentos e promover o uso intensivo dos recursos disponíveis. São Paulo está distante desse conceito.
É por essa razão que as recentes revisões do Plano Diretor Estratégico (PDE) e da Lei de Zoneamento, mesmo não atendendo aos pressupostos modernos de maiores gabaritos, são muito importantes. Colocam a cidade no caminho da modernidade, tornando-a, por intermédio do espaço físico, mais conectada com seus moradores, que passam a ter mais acesso aos seus equipamentos públicos.
Ainda que muito aquém das necessidades do Município, cujo déficit habitacional é estimado em 625 mil moradias, as novas regras urbanísticas criam condições de adensar mais e, assim, ampliar a oferta de moradias em áreas com melhor infraestrutura, em especial para as famílias de menor renda. É bem verdade que de forma muito tímida, se levarmos em consideração os desafios impostos.
Áreas classificadas como Zonas de Estruturação Urbana (ZEUs), localizadas em eixos de transporte, e antes limitadas a um raio de 600 metros das estações de metrô e trem, e de 300 metros dos corredores de ônibus, passaram a ter um limite de até 700 e 400 metros, respectivamente. Criou-se a possibilidade de haver mais pessoas acessando facilmente os meios de transporte por meio de curtas caminhadas, bem no espírito do também mundialmente consagrado conceito da cidade de 15 minutos.
As condições atuais ampliam a capacidade produtiva do mercado imobiliário em ofertar maior número de lares, em especial Habitações de Interesse Social (HIS), aumentando a participação desse segmento no volume de lançamentos e vendas de unidades. Hoje, 50% dos imóveis construídos e comercializados na capital já são endereçados à habitação econômica. Mas é preciso fazer mais, pois atender a esse estrato é combater de fato, e com qualidade, o déficit de moradias. As novas regulamentações permitem avançar nessa direção. Trazem segurança jurídica aos licenciamentos e conferem aos empreendedores maior clareza das leis vigentes.
Por meio do pagamento de Outorga Onerosa do Direito de Construir, recentemente regulamentado pela Prefeitura de São Paulo – taxa que os incorporadores recolhem ao município para edificar acima dos coeficientes básicos até os limites definidos no Plano Diretor Estratégico –, empreendimentos situados em ZEUs podem majorar os Coeficientes de Aproveitamento (CA) em relação à área do terreno desde que ofereçam unidades de HIS e/ou Habitação de Mercado Popular (HMP), destinadas às famílias de menor renda.
Além disso, as empresas podem também contribuir por meio da chamada cota de solidariedade – recursos que vão para o Fundo de Desenvolvimento Urbano (Fundurb) e são aplicados pelo poder público em HIS, regularização fundiária e outros benefícios para os cidadãos que mais precisam.
Em essência, essas são as consequências das novas regras urbanísticas. Incentivar o desenvolvimento imobiliário e o adensamento urbano inteligente tem efeitos antes de tudo humanos. São mais moradias, maior qualidade de vida para todos e mais empregos gerados em sua produção e gestão. Além disso, mais investimentos e ampliação das atividades econômicas – consumo de produtos e serviços –, que resultam em maior volume de postos de trabalho, em salários que propiciam, inclusive, a qualidade de vida que deriva da aquisição de um lar.
O território de São Paulo precisa ser aproveitado de forma inteligente e eficaz. Quem ganha é a cidade. E é com esse viés, a ser reconhecido pela coletividade, que precisamos seguir avançando em regramentos transformadores, capazes de ir ao encontro dos preceitos constitucionais que definem o acesso à moradia digna como um direito de todos.
Rodrigo Luna é presidente do Secovi-SP.
Artigo publicado no jornal O Estado de S.Paulo em 14/7/2024.