Existe uma preocupação generalizada e compreensível por parte de proprietários e locatários a respeito do impacto da COVID-19 no mercado de locação de imóveis.
Alguns inquilinos já começam a solicitar flexibilidade dos proprietários para o pagamento dos aluguéis em decorrência da diminuição ou, por vezes, da estagnação da atividade econômica do setor em que atua.
O momento exige cautela e seriedade na tomada de decisões, cujos impactos são previsíveis, porém não aparentes, em toda a cadeia econômica do setor imobiliário e financeiro que tem como lastro os recebíveis das locações imobiliárias.
O mercado de locação é bastante amplo, abrangendo as locações residenciais e não residenciais. Em ambos os casos, temos recomendado a proprietários e locatários o diálogo e a negociação, tendo especial cuidado com aqueles que realmente precisam, ou seja, os que atuam em setores da economia já diretamente afetados pelo confinamento da população, como o comércio, o turismo, as agências de viagens, as companhias aéreas, dentre outros.
Uma das alternativas é a postergação dos aluguéis em parte ou na sua totalidade, dependendo do grau de dificuldade momentânea de o inquilino cumprir com suas obrigações. E, por um período curto, normalmente referente ao mês subsequente, quando, ao final deste período, as partes poderão rever a situação com possível prorrogação do prazo.
É importante lembrar que o aluguel, seja residencial ou comercial, em muitos casos é a única fonte de renda de muitos proprietários que também têm compromissos a quitar. Muitos locatários (funcionários públicos, empresas de médio e grande porte) não tiveram seus rendimentos afetados, podendo pagar regularmente os aluguéis.
No caso das locações não residenciais, o impacto de uma possível inadimplência pode ainda ter graves desdobramentos para o setor financeiro, visto que parte significativa dos grandes empreendimentos imobiliários destinados à renda possui financiamento imobiliário, que depende dos recebíveis de aluguel para honrar tais compromissos.
Da mesma forma, em uma eventual suspensão temporária dos pagamentos dos aluguéis, os Fundos de Investimentos Imobiliários (FII), com mais de 760 mil CPFs na base de cotistas, seria diretamente afetada. O brasileiro descobriu nos FII uma fonte de receita recorrente que, em muitos casos, atua como rendimento de aposentadoria. Sem aluguéis, não há distribuição de receita.
Além dos FII, o mercado de securitização de créditos imobiliários emitiu, em 2019, cerca de R$ 21.73 bilhões em Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI), títulos de renda fixa que têm como parte de seu lastro, entre outros, aluguéis de operações imobiliárias como os chamados “built to suits”.
Acreditamos que a livre negociação entre as partes é o melhor caminho para que a transposição desse terrível momento ocorra da maneira mais equilibrada possível no mercado de locação.
Qualquer intervenção do Estado nas relações entre inquilino e proprietário, decretando, por exemplo, a suspensão sumária dos aluguéis por um período pré-determinado, incorrerá em prejuízos irrecuperáveis, gerando uma reação em cadeia que poderá afetar todo o setor. Cabe, também, lembrar que intervenções governamentais findaram se não no rompimento dos contratos, na volumosa busca do Judiciário. Inclusive, no tocante aos contratos empresariais, as alterações introduzidas pela Lei de Liberdade Econômica (art. 421-a, III, do Código Civil), por força da qual a revisão dos contratos somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada.
Por mais grave que venha a ser a crise, precisamos entender que será passageira e qualquer solução deve considerar o equilíbrio financeiro dos contratos vigentes, sem perder de vista a intenção de continuidade da ocupação do imóvel no futuro.
Daí a importância de negociarmos ao máximo, afastando qualquer tipo de interferência exógena em um segmento que, até a publicação da atual Lei do Inquilinato, não podia exercer livremente seus direitos.
Adriano Sartori
Vice-presidente de Gestão Patrimonial e Locação do Secovi-SP