Algo muito comum tanto em condomínios residenciais como em comerciais, o zelador que roga para si o papel e fazer a intermediação de compra, venda e locação de unidades nos edifícios nos quais trabalha representa um risco ao síndico e aos moradores. Ponto ainda mais grave: ele pratica crime, conforme o artigo 47 da Lei das Contravenções Penais. Isso porque a intermediação imobiliária é exercida pelo corretor de imóveis, cuja função é regulamentada pelo Conselho Regional de Corretores de Imóveis (Creci). Ao se apoderar da função, o zelador acaba exercendo ilegalmente a profissão, podendo ser penalizado com prisão simples, de 15 dias a três meses, ou multa.
Zeladores que fazem as vezes de corretor de imóveis costumam se aproveitar da convivência e da proximidade com os moradores para amealhar “clientes”, colocando-se à disposição para apresentar eventuais interessados. Uns mais ousados atravessam na maior sem-cerimônia negociações já iniciadas por uma imobiliária. Eles costumam ficar antenados nas visitas que corretores fazem nos condomínios, e, na primeira oportunidade, abordam o interessado, geralmente dizendo que têm algo mais vantajoso a oferecer.
“Trata-se de um comportamento que, além de ilegal, é imoral e antiético”, enfatiza Nelson Parisi Júnior, presidente da Rede Imobiliária Secovi. Segundo ele, esses zeladores costumam se utilizar de meios ardilosos para atrair clientes de imobiliárias. “Geralmente, dizem às pessoas que seus serviços saem mais barato do que o do corretor, porque não cobram comissão. Muitos acabam caindo nessa conversa por acharem que estarão fazendo um bom negócio”, afirma o presidente da Rede. Como o argumento resvala no bolso, não raro o zelador acaba levando a melhor, fustigando profissionais e empresas gabaritadas para isso.
As imobiliárias reúnem uma série de expertises necessárias para o fechamento do negócio imobiliário, que é atulhado de particularidades. Trata-se de um verdadeiro trabalho de consultoria. Seus profissionais prestam assessoria na opinião de preço, no fornecimento de informações sobre as redondezas, na averiguação da situação cadastral de comprador, vendedor, locador e locatário, na análise da documentação dos envolvidos e do imóvel, no acompanhamento de processos em cartórios, na conciliação de interesses, entre outros. “A maioria das pessoas compra, em média, apenas um imóvel em toda sua vida. Confiar um negócio complexo como esse a quem não tem o conhecimento é uma temeridade”, diz a advogada especializada em direito imobiliário Moira Toledo, do escritório Toledo e Rocca Advogados Associados.
Dos riscos à pessoa, destaca-se a possibilidade de o patrimônio poder ser perdido, caso o bem negociado seja alvo de penhora, por exemplo. Já ao condomínio, o que desponta é a questão da segurança. “Pode acontecer de a pessoa interessada que o zelador apresente ao dono do imóvel ser alguém mal intencionado. Isso acaba colocando o patrimônio de todos os moradores à prova”, diz Parisi Júnior. “O corretor tem conhecimento e sabe fazer o filtro. O zelador, não.” Há, ainda, a possibilidade de o zelador intermediar um negócio que gere prejuízo às partes, o que pode ricochetear no condomínio e no síndico. “O zelador tem responsabilidade civil sobre os danos causados em um negócio feito por ele”, explica Moira Toledo. Nesse caso, há o seriíssimo risco de a pessoa lesada requerer sua indenização do condomínio. (Veja entrevista ao fim desta reportagem).
Vale lembrar que o Creci-SP promove fiscalizações regulares em diversos prédios, tanto de ofício como motivadas por denúncias. Se o zelador for flagrado fazendo intermediação, o órgão pode notificar o Ministério Público.
O que fazer? – Ricardo Paixão, vice-presidente da Rede Imobiliária Secovi e diretor da Marc Negócios Imobiliários, empresa que também faz administração condominial, lembra que o dono do imóvel tem o direito de escolher quem fará a intermediação da venda ou locação de seu bem. Embora o mais indicado seja a escolha por um especialista no assunto, alguns acabam se rendendo à conversa do zelador. Nesse aspecto, o síndico pode, sim, proibir expressamente que o zelador aceite incumbências que não sejam de sua função. “Vale chamar a atenção, até porque, no caso da intermediação indevida, ele está infringindo a lei”, frisa. Se, mesmo assim, continuar se passando por corretor, recomenda-se que seja aplicada advertência e, na reincidência, demissão.
Outra ação que pode ser feita é de comunicação. Deixar as chaves da unidade com o zelador ou na portaria para que profissionais do prédio acompanhem as visitas de interessados a apartamentos é algo comum em muitos edifícios. O síndico deve recomendar aos moradores que não façam isso. Inclusive, deixar evidente que o zelador e a portaria estão proibidos de ficar com as chaves das unidades, por exemplo. “É preciso traçar regras bem claras quanto a isso, fixando quais são as responsabilidades do condômino que incentiva o zelador a fazer intermediação. Precisa ficar claro, até para evitar problemas trabalhistas, que os empregados do condomínio não devem prestar serviços particulares”, finaliza o advogado Jaques Bushatsky.
Consequências legais – O advogado Jaques Bushatsky, pró-reitor da Universidade Secovi, diz que três problemas se sobressaem quando zeladores se aventuram na seara da intermediação. Há o aspecto de exercer profissão sem ter Creci, o trabalhista e o de responsabilidade civil (do zelador) e objetiva (do condomínio).
REVISTA SECOVI-SP – Quais podem ser as principais consequências provenientes de um zelador que faz papel de corretor indevidamente?
JAQUES BUSHATSKY – Eu destacaria três aspectos. Há o problema de atuação indevida perante o Creci, pois, para fazer intermediação, a pessoa precisa ser inscrita no órgão. E há outros dois que são mais preocupantes para o condomínio. Um deles é o trabalhista, porque o zelador foi contratado para fazer, obviamente, zeladoria. Se ele, durante seu expediente, pratica corretagem, deixa de cumprir a função para a qual foi originalmente contratado. Além disso, se ele fizer intermediação a pedido do síndico, como pode ocorrer em condomínios que locam suas áreas comuns, aí temos um problema de acúmulo de função. Por fim, e o mais preocupante, é o aspecto da responsabilidade em caso de dano. Se alguém fechar um negócio e sofrer prejuízo, essa pessoa pode dizer que fez tudo com o zelador. Assim, o condomínio poderia acabar sendo responsabilizado em um eventual processo, pois o zelador é seu funcionário.
REVISTA SECOVI-SP – O síndico também pode acabar respondendo?
JAQUES BUSHATSKY – O síndico é obrigado a administrar o condomínio melhor do que a casa dele. Ele tem de fazer cumprir todas as normas legais, entre elas a de que o zelador faça estritamente seu trabalho. Quem sofrer prejuízo em um negócio feito pelo zelador pode buscar no condomínio a indenização pelos danos causados. Posteriormente, o condomínio pode, sim, entrar com uma ação de regresso contra o síndico, por ter sido omisso quanto à atuação indevida do zelador.
Reportagem de Leandro Vieira publicada pela Revista Secovi-SP, edição nº 275 (setembro de 2016). É permitida a reprodução deste conteúdo, desde que citada a fonte.