No próximo domingo (3/8) termina o prazo para que todos os municípios do país desativem seus lixões a céu aberto. Mas a meta estabelecida pela Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) em 2010 não se verá cumprida e, pior, sequer tem data para sê-lo. Segundo a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), metade das cidades brasileiras de até 300 mil habitantes não terá condições de obedecer à legislação, e mais de mil das 2,4 mil consultadas não conseguiram sequer elaborar o Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos (PGRS), fundamental na obtenção de verbas federais para a extinção dos depósitos. O prazo final de entrega do documento era agosto de 2012.

A consulta da semana passada feita pela CNM envolveu 2.485 cidades das 5.490 com até 300 mil habitantes e mostrou que 768 ainda depositam os resíduos sólidos em lixões, a maioria nas regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste. O levantamento indica que 16 capitais não têm aterro sanitário, incluindo Belo Horizonte, Brasília, Recife, Manaus e Porto Alegre. Paulo Ziulkoski, presidente da CNM, defendeu que o prazo seja ampliado, com uma carência de oito anos.

— Se o prazo não for modificado, a maioria dos prefeitos será ficha-suja daqui a quatro anos. Isso se não estiverem presos — disse.

Para Erica Rusch, especialista em direito ambiental, faltou planejamento e sensibilidade para entender que o meio ambiente é uma pauta prioritária:

— O gestor municipal sempre espera a prorrogação do prazo. Muitos municípios não receberam a verba do governo federal porque não fizeram os trâmites requisitados. O governo passou a ter uma responsabilidade, mas não a colocou como pauta prioritária.

Desculpas e brigas por verba

De acordo com Ziulkoski, dados da Fundação Getúlio Vargas indicam que o custo para universalizar a utilização de aterros é de R$ 70 bilhões e que o Ministério do Meio Ambiente burocratiza o envio das verbas. Segundo o levantamento do grupo de gestores, 577 propostas foram recebidas entre 2011 e 2013, mas só oito foram contratadas. O financiamento chegou a R$ 6,1 milhões. Na Fundação Nacional de Saúde (Funasa) foram destinados R$ 131 milhões em convênios para a elaboração de planos de gestão em 606 cidades.

— É um volume ridículo. Os prefeitos não acreditam mais na União porque 97% dos recursos estão contingenciados. É propagada enganosa — alegou.

A Funasa, que terá a tarefa de fiscalizar a aplicação da lei em cidades com até 50 mil habitantes, apoia o adiamento da implantação da legislação nestes casos, mas considera quatro anos prazo suficiente.

— O Ministério Público e os outros órgãos de fiscalização estão certos em cobrar, mas existem prefeitos que não tiveram condições de fazer a mudança. Então, estamos buscando aumentar esse prazo. O objetivo é ambiental, o governo não está interessado em punir — explicou o presidente da fundação, Henrique Pires.

Para Gabriela Otero, coordenadora da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública (Abrelpe), não há justificativas para o não cumprimento do prazo.

— Foram quatro anos. Além disso, desde 1998 existe a lei de crimes ambientais que coíbe a manutenção de lixões. Não há justificativas plausíveis para não ter desativado. Caberá ao MP e às promotorias julgar — sustentou Otero.

As penas previstas na lei são de R$ 5 mil a R$ 50 milhões, dependendo da gravidade da falta, além de um a quatro anos de reclusão para os administradores municipais. Para o presidente da Associação Nacional de Órgãos Municipais de Meio Ambiente (Anamma), Pedro Wilson, castigar a cidade trará mais ônus que benefícios:

— Não adianta penalizar, só vai piorar. A cidade que já não tem dinheiro para realizar as ações devidas terá menos ainda.

Para o ambientalista Jorge Fachada, o perigo está em um possível retrocesso.

— Não se pode voltar atrás só porque não foi conquistado agora. Existiu descaso, e agora ele deve ser corrigido, mas sem prejudicar o meio ambiente — ponderou Fachada.

No Estado do Rio ainda existem 20 unidades em funcionamento que devem ser fechadas até o final do ano, segundo a Secretaria do Ambiente. De 2007 até julho deste ano foram extintos 50 lixões, sendo que os restantes representam 2,8% dos resíduos sólidos gerados no território fluminense. Em Japeri, cerca de 76 toneladas de lixo são recebidas diariamente, com cerca de 40 catadores trabalhando no local.

— Para todos os lixões ainda existentes já existem alternativas de disposição final adequada — explica o secretário estadual do Ambiente, Carlos Portinho.

A face oculta da questão são os incontáveis depósitos irregulares. Como O GLOBO-Niterói denunciou há uma semana, um lixão desativado em Itaoca, São Gonçalo, continua a receber detritos. E pior, virou também palco de mais degradação ambiental, com um verdadeiro condomínio sendo construído. As bases das casas que avançam manguezal adentro são as mesmas de um dos maiores problemas ambientais do país, símbolo da crônica falta de planejamento urbano: o lixo.

Fonte: O Globo, 29/7/2014