Basilio Jafet, presidente do Secovi-SP

Desunião. Isso é tudo o que não precisamos agora. E há mais muitas coisas desnecessárias que só servem para nos tirar de focos objetivos, como imunização em massa e reformas estruturantes, fundamentais para viabilizar a retomada econômica e combater o desemprego.

Não precisamos de mensagens ácidas trocadas em redes sociais, com termos ofensivos, descortesias. São todas elas tóxicas. Destrutivas. Não contribuem com a solução. Menos ainda de ensaios populistas, como vimos em intenções manifestadas em várias áreas e que são agravantes da malfadada insegurança jurídica.

Um exemplo é a aprovação do regime de urgência para votação do PL 1.026/2021, cuja intenção é tabelar os reajustes dos contratos de aluguel pelo IPCA. O momentâneo salto do IGP-M estimulou parlamentares (na boa intenção de proteger os inquilinos) a intervir num mercado que, há 30 anos, funciona – e bem. A realidade é que, em virtude do enorme descolamento da inflação de índice que reajusta aluguéis comerciais e residenciais, inquilinos e proprietários estão dialogando, negociando, fazendo valer a premissa do livre mercado e cientes de que, historicamente, os dois índices (IPCA e IGP-M), ao longo do tempo, tendem à paridade.

Acontece que não se trata apenas do aluguel, mas de tudo o que ele representa. Existe um universo que opera com base nas locações de imóveis. Há os Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) e os Fundos de Investimento Imobiliário. São bilhões transacionados apoiados em um regime legal bem-sucedido.

Adicione-se que esses ativos mobiliários com lastro imobiliário também movimentam recursos externos. Apavorados com tanta inconsistência, investidores poderão começar a repensar e a buscar mercados menos voláteis.

Se concretizada a mudança pretendida pelo Legislativo, é possível que esse tabelamento se espraie para outros tipos de relações comerciais. Seria um tiro na credibilidade do Brasil como parceiro confiável para investimentos locais e mundiais, agregando desalento à comunidade internacional, já tão desapontada com o ambiente ideologizado que tem predominado na atualidade.

E vale acrescentar à questão dos aluguéis a possibilidade de o STF impedir a penhorabilidade do bem de família do fiador de imóveis comercias. Mais um exemplo de tudo o que não precisamos agora.

Por que mexer num segmento que funciona, como é o caso do mercado de locação? Por que não direcionar energias para aquilo que não funciona? Como está a reforma administrativa? Quando teremos a simplificação tributária?

É claro que devemos à classe política a adoção recente de medidas importantes, como a conquista da autonomia do BC, os marcos legais do saneamento e do gás, e a publicação da MP 1.040/2021, editada para melhorar o ambiente de negócios. Contudo, é difícil entender o que ainda impede o setor privado de contribuir mais para o esforço nacional na aquisição de vacinas.

Deparamo-nos, nesta questão, com mais um exemplo de tudo o que o Brasil não precisa agora. Surgem os puristas (ou nacionalistas) dizendo não. Há os pragmáticos (ou capitalistas) dizendo sim. No meio desse duelo, a covid-19 corre solta, mostrando que precisamos nos ajudar mutuamente.

Não importa se a vacina é pública ou privada. O que interessa é vacinar. Priorizar os que estão na linha de frente (professores, policiais – e também lixeiros e garis). Imunizar a população economicamente ativa que está nos balcões do comércio, na cozinha dos restaurantes, nas recepções e serviços de limpeza de hotéis, nos escritórios, nas fábricas, no campo… Todos gerando riquezas. Todos ajudando o Brasil a evitar o atoleiro.

Ah, mas não existe vacina para comprar, justificam. Porém, estivesse o Brasil menos arranhado em sua imagem internacional, não seria mais fácil negociar? E vale nota sobre a pífia atuação do Mercosul.

Em momentos de tamanha gravidade, pouco interessa quem gosta mais deste ou daquele. Não estamos em condições de disputar preferências pessoais. É hora de dar as mãos. De ombrear o presidente da República, o governador de São Paulo e os de outros estados, os prefeitos dos 5.570 municípios brasileiros.

Temos de interagir e agir alinhados com as necessidades nacionais. Temos de deixar para o devido tempo questões como eleições. Seja por vírus seja por fome, mortos não votam. Funerais não têm partidos.

Diante de tudo isso, oportuno resgatar trechos de texto redigido, há 500 anos, por Nicolau Maquiavel, considerado o “Pai do Pensamento Político Moderno”, o qual ainda hoje reflete nossos valores e maneira de pensar: 

“… Uma nação, onde a suposta sociedade civil organizada não mexe uma palha se não houver a possibilidade de lucros, não é capaz de legar nada a seus filhos, a não ser dias sombrios.

Um país onde os poucos que se esforçam para fazer prevalecer os valores morais, como honestidade, ética e honra, são sufocados e massacrados, já caiu no abismo há muito tempo.

Uma sociedade onde muitos homens e mulheres estão satisfeitos com as sórdidas distrações, em transe profundo, não merece subsistir.

Só tenho compaixão daqueles bravos, que se revoltam com esse estado de coisas. Àqueles que consideram normal essa calamidade, não tenho nenhum sentimento”.

Basilio Jafet é presidente do Secovi-SP.