Mauro Teixeira Pinto é diretor do Secovi-Sp e da  TPA
Construções LTDA

Faz anos que a indispensável requalificação do centro de São Paulo patina. Espaço dotado de ampla infraestrutura poderia estar a serviço da população que demanda por moradia digna e qualidade de vida, mas permanece subaproveitado.

Agora, com Projeto de Intervenção Urbana (PIU) Setor Central, de iniciativa do Executivo Municipal, podemos resolver importantes questões, porém, é necessária a revisão de alguns princípios.

Nesta análise, pontuamos entraves que, uma vez ajustados pelos legisladores, permitirão que PIU Central alcance seus objetivos de recuperar do centro, beneficiando a cidade e a coletividade.

CONCEITO GERAL DO PIU SETOR CENTRAL

Pretende-se adensar grande área urbana centralizada, ampliando-se o perímetro atual da Operação Urbana Centro. Para valorizá-la, propõe-se amplo plano de intervenções públicas.

Os recursos para as intervenções viriam basicamente de cobrança de outorga sobre novas construções, podendo haver complemento de outras fontes (arts 74 e 80).

Importante lembrar que:

  • Desde 1997, a Lei da Operação Urbana Centro (LOUC) dispensa a cobrança de outorga;
  • Embora a LOUC esteja vigente há 25 anos, o desenvolvimento do centro ainda sofre com falta de vigor.

Método de planejamento: a conta é feita de trás para frente, ou seja, a outorga sugerida é função da necessidade de recursos para as intervenções.

Consequência: a outorga sugerida aumenta significativamente o custo das novas construções.

Essência do problema: nos cálculos financeiros, são totalmente desconsideras as vantagens do adensamento e uso de região subocupada, como transporte, infraestrutura, meio ambiente, oportunidades de trabalho e ascensão social, etc. Os ganhos indiretos são imensamente superiores à arrecadação com a outorga. A cobrança da outorga atrasa o adensamento e o resultado final é proeminentemente negativo.

Princípios de política econômica: fomenta-se uma atividade por meio de subsídios. Tarifas e taxações têm resultado contrário. O efeito de onerar, principalmente quando a atividade ainda não está consolidada, não é compensado pelos investimentos públicos. E, no caso do PIU Setor Central, isso é agravado, pois a cobrança vem antes do investimento público.

PONTOS CRÍTICOS

1. Risco de Judicialização após Revogação da OUC

Não está totalmente afastado o risco de judicialização e embargo.

PIU’s recentes, como os de Pinheiros e Jurubatuba, foram paralisados pelo não atendimento da resolução CONAMA de exigência de EIA-RIMA.

O risco efetivo é que, como a entrada imediata em vigor do PIU revoga a OUC vigente, no caso de judicialização, toda a área central ficará sem regramento adequado.

Se isto ocorrer, ao invés de fomentar, o PIU vai paralisar todas as ações na região, acarretando consequências imprevisíveis.
Uma solução pode ser condicionar a entrada em vigor somente após a regulamentação por decreto, com o que eventual questionamento ocorre logo após a aprovação da Lei, mas ainda antes da revogação da OUC vigente. O condicionamento à regulamentação em decreto é totalmente justificável, dada a complexidade dos instrumentos previstos na Lei.

2. Cobrança de Outorga Onerosa

Estima-se que a cobrança da outorga onerosa no perimetro Q8, onde o coeficiente de aproveitamento para edificios residenciais hoje é de 6x gratuito, aumentará em média 30% o preço final das unidades, igualando-os aos de bairros já consolidados e com maior demanda.

3. Ausência de previsão de direito de protocolo e vigência imediatamente após a aprovação
A Lei prevê a entrada em vigor logo após a sua aprovação.

Como o ciclo de aquisição de terrenos e aprovação de projetos é muito longo, todas as negociações de áreas em curso serão prejudicadas pela brusca mudança de regras no meio do processo.

É imprescindível que, a exemplo de todos os marcos regulatórios recentes, as disposições transitórias garantam o direito de protocolo para processos anteriores à entrada em vigor do PIU, bem como a permissão de modificativos para projetos aprovados pelo regramento anterior, mas com alvarás ainda válidos.

Insegurança jurídica afasta investimentos.

4. Incompatibilidade com o Requalifica Centro

O PIU não conversa com o Programa Requalifica Centro, o qual estabelece incentivos fiscais e edilícios para estimular a requalificação (retrofit) de prédios antigos, estimular a oferta de imóveis habitacionais para adensar o centro e resgatar sua vocação de ambiente atraente para investimentos.

5. Regramentos excessivos e previsão de revisão da Lei somente após 20 anos

A lei determina vigência de 20 anos sem previsão de revisão (art. 97). Este prazo é completamente incompatível com a dinâmica das transformações urbanas.

Existe um regramento excessivo com a criação de mecanismos citados abaixo que podem paralisar os empreendimentos pela inadequação à demanda.

Por tornar compulsórios os incentivos que existem em outras áreas da cidade, para o atingimento do máximo potencial, o centro torna-se menos competitivo para investimentos.

5.1. Exemplos de regramentos excessivos ou inadequados contidos no PIU

  • Plantar árvores em pelo menos 50% da área permeável – pode inviabilizar implantação de edifícios em determinados terrenos, por exemplo, bloqueando o acesso a garagens ou ao bicicletário (art. 9).
     
  • Garagens – não ficou clara a exigência de vagas no Setor Centro Metropolitano; há dispensa de vagas de garagem no centro histórico (art 11).
     
  • Nos usos mistos T2a, T2b e T2c é preciso reservar no mínimo 20% para NR (Não Residenciais) – fachadas ativas, com projeção limitada a 50% da área do terreno, não atingem esse percentual, o que exige, portanto, NRs de outros tipos. Além disso, nem sempre há uso prático claro para esses NRs com outras tipologias (art 16 item II e §2º).
     
  • Proibição de vagas no recuo frontal e em frente a fachadas ativas – desencoraja o uso de algumas atividades comerciais como, por exemplo, farmácias (art 18 itens I e II).
     
  • Obrigação de fachada ativa em todo Q2 para se atingir o potencial de 4 – diversos terrenos podem não ter vocação para fachadas ativas, produto que, inclusive, ficou superofertado após a pandemia (art 19).
     
  • Pênaltis – Q8a e Q8b (perímetro atual da Operação Urbana Centro) são penalizados com fator de interesse social = 1,0 se não atenderem cota parte de terreno mínima de 5,5m2. A dimensão média dos apartamentos ficará em torno de 38m2 de área privativa, incluindo varandas (art 20).
     
  • Empreendimentos localizados em lotes que tenham frente para os Eixos Estratégicos ou para Áreas Verdes Públicas lindeiras a estes – eixos exigem fachada ativa em, no mínimo, 25% da testada do lote (art 21).
     
  • Outorga – pagamento dos valores da outorga, grosso modo, antes do faturamento, com regras ligadas ao alvará de execução (art. 78).
     
  • Ausência – setor produtivo não tem representação no Conselho Gestor (art 83).

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