ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DE SÃO PAULO
Quarta-feira, 23 de abril de 2014.
São Paulo aumentou sua participação no resgate de trabalhadores e na responsabilização de empresas
Da Redação: Keiko Bailone Fotos: José Antonio Teixeira
Jornalista e militante Leonardo Sakamoto, coordenador da Ong Repórter Brasil
A estimativa é a de que só o setor têxtil tenha de 12 a 14 mil pequenas oficinas de costura funcionando no Estado, onde trabalham cerca de 250 mil pessoas, em sua maioria imigrantes submetidos a condições degradantes.
A CPI que apura a exploração do trabalho análogo ao de escravo em atividades econômicas de caráter urbano e rural no Estado de São Paulo ouviu, nesta quarta-feira, 23/4, três especialistas sobre o assunto: o jornalista Leonardo Sakamoto, o procurador Luiz Fabre e o auditor fiscal Renato Bignami.
O objetivo foi elucidar o conceito, as estatísticas e as características desse tipo de exploração de pessoas que são vítimas de fraudes, sofrem isolamento geográfico, são submetidos a servidão por dívida e jornada exaustiva. São essas as condições que tornam o trabalho desprovido de dignidade e, portanto, análogo ao do escravo, explicou o jornalista e militante Leonardo Sakamoto, coordenador da ONG Repórter Brasil e representante da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo. Ele foi o primeiro a se manifestar na reunião da CPI do trabalho escravo, presidida pelo deputado Carlos Bezerra Jr. (PSDB).
Sakamoto lembrou que o conceito de trabalho escravo se baseia nos capítulos 29 e 105 das convenções das Nações Unidas, ratificados pela maioria dos países, inclusive o Brasil. “A dignidade vem imbuída de um pacote de direitos que nos torna humanos. Quando negamos essa dignidade, temos a coisificação do trabalho”, explicou. Citando o artigo 149 do Código Penal, Sakamoto destacou quatro elementos que condizem com condições análogas ao de escravo: o trabalho forçado, a servidão por dívida, a condição degradante e a jornada exaustiva.
Para configurar o trabalho escravo, esses elementos têm de ser sistêmicos e não pontuais, explicou Sakamoto. Segundo ele, a partir de 1995 formou-se jurisprudência sobre essa legislação e 45 mil pessoas acabaram se beneficiando desse recurso judicial.
Ainda ao se referir ao conceito de trabalho escravo, Sakamoto esclareceu que essa forma de exploração tem denominações como nova escravidão ou escravidão contemporânea, e que a única diferença da atual para a da época da escravidão colonial, abolida no Brasil em 13/5/1888, é que aquela era tutelada pelo Estado, ou seja, o governo garantia a propriedade de um ser humano pelo outro.
Para Sakamoto, escravidão colonial e a contemporânea são semelhantes: implicam tráfico de pessoas, espancamento, assédio moral e sexual e até morte. A diferença é que até 1888, um escravo era uma propriedade cara, que tinha de ser preservada; e hoje, com o fácil recrutamento de trabalhadores em situação ilegal, o tratamento é ainda mais cruel.
Resgate de trabalhadores
O Estado paulista aumentou sua participação nos números nacionais de combate ao trabalho escravo e também no de responsabilização de empresas e resgate de trabalhadores desde 1995. A observação foi feita por Renato Bignami, auditor fiscal do Trabalho e coordenador estadual do Programa de Erradicação do Trabalho Escravo da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego em São Paulo.
Ele apresentou estatísticas sobre trabalhadores resgatados desde 1995 (1.420), quando as operações se concentravam notadamente no setor rural. Em 2007, houve o primeiro resgate no Estado, no setor sucroalcooleiro. Em 2010, a superintendência concentrou diligências em alguns setores mais endêmicos, ou seja, têxtil e construção civil, em centros urbanos e carvoarias, situadas na região da Mantiqueira (Bragança Paulista). Como resultado de 11 operações, em 2011, grandes magazines como Zara, Casas Pernambucanas, M. Officer, Lojas Marisa e Luigi Bertolli, entre outras, foram responsabilizadas por utilizar mão de obra análoga à de escravo.
Em 2012 foram deflagradas nove operações; no ano passado, 26 operações; e nestes primeiros quatro meses, ocorreram outras nove operações. Denúncias foram feitas principalmente contra as chamadas “sweatshops” – termo que designa ambiente de trabalho inaceitavelmente inadequado ou perigoso – do setor têxtil.
“A estimativa é que haja de 12 a 14 mil dessas sweatshops, que empregariam quase 250 mil trabalhadores, imigrantes em maioria, vindos da Bolívia, Peru e Paraguai”, relatou Bignami. Nesses casos, esclareceu, é comum a servidão por dívida de viagem, documentação, alimentação e remédios.
No setor da construção civil, relatou Bignami, o caso mais recente é o da construtora OAS, acusada de aliciar trabalhadores e deixá-los durante 45 dias em condições degradantes no entorno do aeroporto de Guarulhos. “Houve a promessa de emprego, mas isso acabou não ocorrendo”.
Responsabilidade socioambiental
Ao mencionar medidas eficazes contra empresas que usam mão de obra análoga à de escravo, Luiz Fabre, procurador do Trabalho do Ministério Público de São Paulo, afirmou que o combate a esse tipo de exploração deve se concentrar no prejuízo econômico causado às empresas. Segundo ele, como não há recolhimento de tributos ou pagamento de direitos trabalhistas, a vantagem dos infratores em relação às empresas que atuam dentro da lei é grande.
“Daí a importância da lei aprovada pela Assembleia Legislativa, que cassa a inscrição de contribuição do ICMS por dez anos, conhecida como Lei Bezerra, por ser de autoria do deputado Carlos Bezerra Jr.”, disse Fabre. Bignami acrescentou que legisladores modernos têm adotado normas de constrição financeira e “a Lei Bezerra segue nessa linha”.
Além disso, argumentou Fabre, as empresas infratoras devem se responsabilizar também pela poluição socioambiental. Deu como exemplo o caso da construtora OAS, que deslocou trabalhadores para a região de Guarulhos, dando início, assim, a uma favela no entorno do aeroporto.
“Não é só uma questão de direitos humanos, mas de análise econômica”, argumentou. Lembrou que o Ministério Público adotou algumas medidas interessantes como o Poupatempo do migrante, ao reverter a verba das multas das grandes magazines para melhorar a vida do trabalhador que vem de fora.
Após o resgate, o Ministério Público retira o trabalhador da zona de risco, providencia o regresso à sua origem, fornece seguro desemprego e o inscreve nos programas de reinserção social. Em mais de 20 mil resgates de trabalhadores, a reincidência é de menos de 2%, afirmou Fabre.
Na superintendência, apenas dois auditores fiscais atuam na área do trabalho escravo. No MPE, três procuradores cobrem a Grande São Paulo e dois outros trabalham em Campinas.
Participaram da reunião os deputados Hélio Nishimoto (PSDB), Jooji Hato (PMDB), Marco Aurélio e Luiz Cláudio Marcolino (ambos do PT), Carlos Cézar (PSB), Leci Brandão (PCdoB) e Chico Sardelli (PV).
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