Com a declaração da pandemia mundial do novo coronavírus pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e a constatação de seus efeitos concretos no Brasil, foram impostas medidas de combate à disseminação e ao tratamento da covid-19.
Os brasileiros, que acreditavam na consolidação da tão esperada retomada da economia e a consequente redução do desemprego, depararam- se com a decretação do estado de Calamidade Pública, em 20 de março, e com a imediata determinação de quarentena e isolamento social.
A determinação ocasionou a redução ou até mesmo a paralisação da atividade imobiliária: shopping centers fechados, plantões de vendas esvaziados, contratos de locação renegociados, administração condominial impactada, atendimento presencial ao público nos estabelecimentos de comércio e serviços impedido, tudo em prol da preservação da vida e da saúde. Um baque, um choque.
Como parar a cidade que nunca para? Como a capital paulista poderia, repentinamente, diminuir sua rotação e deixar de ser a terra que acolheu e acolhe a tantos que vêm em busca de oportunidades de trabalho, sustento, carreira, ganha-pão? Como colocar os milhares de trabalhadores do setor imobiliário, espalhados por todo o Estado de São Paulo, a salvo desse vírus implacável, e como as empresas do setor sobreviveriam a essa duríssima prova?
Foi necessário mudar a rota de forma rápida. Alternativas como férias, licenças remuneradas, banco de horas, suspensão contratual, home office, redução de salário e também a mais temida e drástica – demissões em massa, imediatamente entraram em discussão nas empresas.
Sob o foco da responsabilidade social, era necessário definir a que título as empresas determinariam a esse grande contingente homens e mulheres as condições em que estariam afastados do trabalho diário nos escritórios.
Em 23 de março último, as esperadas medidas emergenciais na legislação trabalhista foram divulgadas pelo governo. Mas como não chegaram consolidadas, o cenário de adversidade foi matéria-prima para a solução nascida da autonomia da vontade dos particulares.
A negociação direta entre trabalhadores e empresários, representados por suas entidades de classe, afastou dissensos e criou consensos quanto a normas coletivas emergenciais, contemplando as alternativas necessárias naquelas semanas finais de março, naqueles dias “em que a Terra parou”.
Medidas Provisórias foram editadas e revogadas; benefícios emergenciais foram criados e a duras penas implantados. Houve comoção nos meios jurídicos, impugnação da constitucionalidade das normas junto à Suprema Corte, liminares concedidas e revogadas…
No caótico cenário jurídico trabalhista formado durante a pandemia, pelo menos duas certezas: a de que necessitávamos preservar as empresas e os empregos e a de que, independente das tutelas precárias de Medidas Provisórias ou liminares da Suprema Corte, os próprios interessados, quando munidos de boa-fé, transparência e lealdade, podem oferecer segurança jurídica e sustentabilidade para as relações de trabalho.
Que esta experiência, paradoxal efeito positivo de uma pandemia, possa fortalecer nossa convicção de que, no campo nas relações coletivas de trabalho, muito ainda pode ser construído por aqueles que continuam a acreditar que os princípios constitucionais da livre iniciativa e do valor social do trabalho devem ser o alicerce do desenvolvimento do País, em termos materiais e humanos.
*Gerente jurídica do Secovi-SP, especialista em Direito do Trabalho pela USP e em Direito Sindical pela ESA
27 de maio de 2020