Adriano Sartori*

Existe uma preocupação generalizada e compreensível por parte de locadores e locatários a respeito do impacto do coronavírus (COVID-19) no mercado de locações de imóveis. Muitos inquilinos começam a solicitar flexibilidade dos proprietários para o pagamento dos aluguéis em decorrência da diminuição ou mesmo estagnação da atividade econômica do setor em que atuam.

O momento exige cautela e seriedade na tomada de decisões com os impactos previsíveis, porém não aparentes, em toda a cadeia econômica do setor imobiliário e financeiro, o qual tem como lastro os recebíveis das locações imobiliárias.

Este mercado é bastante amplo, abrangendo as locações residenciais e não residenciais. Em ambos os casos, temos recomendado a proprietários e locatários dialogarem e negociarem, tendo especial cuidado com aqueles que realmente já foram atingidos pelo confinamento da população, como empresas e funcionários do setor turístico, companhias aéreas, hotéis, teatros, bares e restaurantes etc.

Uma das alternativas mais recorrentes é a postergação dos aluguéis em parte ou na sua totalidade, conforme a dificuldade momentânea do inquilino, e por um período curto. Ao final do mês subsequente, as partes devem rever a situação e definir possível prorrogação do prazo.

É importante lembrar que, em muitos casos, o aluguel residencial ou comercial é a única fonte de renda de muitos locadores, que também têm compromissos a quitar. E estamos falando de milhões de proprietários pessoas físicas que dependem de um único imóvel alugado para sobreviver. Por outro lado, existem locatários (funcionários públicos, de empresas de médio e grande portes) que não tiveram seus rendimentos afetados, podendo pagar regularmente os aluguéis.

No caso das locações não residenciais, o impacto de uma possível inadimplência pode ainda ter graves desdobramentos para o setor financeiro, visto que parte significativa dos grandes empreendimentos destinados para renda possuem financiamento imobiliário que dependem dos recebíveis de aluguel para honrar tais compromissos.

Também os Fundos de Investimentos Imobiliários (FIIs), que, em fevereiro de 2020, detinham mais de 760.000 CPFs na base de cotistas, poderão ser prejudicados, atingindo muitos brasileiros que descobriram nesse investimento uma fonte de receita recorrente que funciona, ainda, como rendimento de aposentadoria.

Além dos FIIs, o mercado de securitização de créditos imobiliários emitiu, em 2019, cerca de R$ 21,73 bilhões em Certificados de Recebíveis Imobiliários(CRIs), títulos de renda fixa que têm como parte de seu lastro, entre outros, aluguéis de operações imobiliárias como os chamados “Built to Suit”.

A livre negociação entre as partes é o melhor caminho para que a transposição desse terrível momento ocorra da maneira mais equilibrada possível no mercado de locação. Qualquer intervenção do Estado nas relações inquilino/proprietário, decretando, por exemplo, a suspensão sumária dos aluguéis por um período pré-determinado, incorrerá em prejuízos irrecuperáveis, gerando uma reação em cadeia que poderá afetar nosso sistema financeiro. Embora muito grave, essa crise vai passar e qualquer solução deve considerar o equilíbrio financeiro dos contratos vigentes, sem perder de vista a intenção de continuidade da ocupação do imóvel no futuro.

Ao negociarmos ao máximo, vamos reafirmar a força do diálogo e afastar qualquer tipo de interferência exógena em um segmento que, até a publicação da Lei do Inquilinato, não podia exercer livremente seus direitos.

*Vice-presidente de Gestão Patrimonial e Locação do Secovi-SP

1 de abril de 2020