Mapear áreas vulneráveis é o mínimo para se adaptar aos futuros cenários de alterações climáticas

Nas últimas semanas, assistimos perplexos, e até certo ponto impotentes, ao transbordamento dos principais rios do Rio Grande do Sul. Fruto de um fenômeno climático extremo, as chuvas castigaram praticamente todo Estado, em especial as bacias contribuintes dos rios Guaíba, Jacuí, Uruguai, Caí, Taquari, rio dos Sinos e Gravataí, elevando em todos eles as cotas de inundação a limites muito acima do aceitável, causando destruição, mortes, e deixando desabrigadas milhares de pessoas.

O veredito parece unânime: especialistas e a mídia apontam as mudanças climáticas provocadas pela ação irresponsável do homem no planeta como a causa do fenômeno que provocou as fortes chuvas na região. Previsões apontam para eventos semelhantes, ou ainda de maior intensidade, no futuro.

Conscientizar a população mundial para a necessidade de uma mudança drástica de atitude com relação às emissões de carbono na atmosfera, e a adoção de outras práticas sustentáveis, é urgente e necessário. Mas, a curto prazo, não resolverá nossos problemas.

Sejam lá quais forem as causas de volumes extremos de chuvas nas bacias contribuintes dos rios que cruzam as cidades, não há muito a fazer no que diz respeito à micro drenagem urbana. Dificilmente, as cidades poderão conter as vazões que ali vão chegar como resultado do violento transbordamento dos rios.

Mas o que as cidades podem fazer, então, para mitigar os riscos envolvidos?

A primeira ação seria uma avaliação criteriosa dos riscos de inundação. No mínimo, as cidades precisam desenvolver um mapa de cheias. Idealmente, deveriam ter uma visão completa do quadro de inundações, para planejar e adaptar-se aos futuros cenários de alterações climáticas.

Mapear a localização das inundações passadas na cidade, talvez, seja uma opção tecnicamente simples e de baixo custo, que pode basear-se em registros de danos causados pelas cheias anteriores. As cidades que avaliam áreas expostas a inundações pela primeira vez podem utilizar esta abordagem como ponto de partida.

Outro aspecto é o mapeamento de áreas da cidade suscetíveis a inundações com base na sua geografia. Esses mapas são produzidos a partir de estudos hidrológicos, elementos topográficos de relevo e dados que estimem o escoamento superficial da água, identificando, dessa forma, áreas com probabilidade de inundação. Isto pode ser sobreposto com informações sobre grupos populacionais vulneráveis e bens patrimoniais, como parte de uma avaliação abrangente dos riscos da inundação.

Essa análise combina os dados sobre áreas propensas a inundações, com informações sobre pessoas vulneráveis e bens construídos, para possibilitar a identificação das áreas mais ameaçadas, e sobre as quais deverão ser previstas as ações mitigatórias prioritárias, além de determinar espacialmente a exposição a perigos, as fragilidades e as probabilidades da ocorrência de determinados eventos.

É possível também desenvolver uma modelagem sofisticada para previsão das inundações. Essa modelagem utiliza a análise hidrodinâmica, que considera dados de precipitação, características dos cursos de água e das bacias contribuintes, sistemas de drenagem, uso do solo e, muitas vezes, dados geo-hidrológicos.

A cidade de Nova York, por exemplo, realizou uma modelagem abrangente de inundações para desenvolver mapas que mostram áreas vulneráveis num cenário de inundação extrema, o que permite o desenvolvimento de um plano com ações específicas e contínuas, à medida que determinados níveis de alerta são atingidos.

É fundamental estabelecer uma estrutura de governança para a gestão de emergências de inundação, a partir de mecanismos de cooperação entre os governos federal, estadual, municipal, e agências meteorológicas, deixando claro o papel de cada um na gestão dos riscos, e durante a implantação das operações de emergência.

Enfim, o objetivo seria desenvolver protocolos de emergência eficientes contra inundações intensas, e criar sistemas de alerta que possam, com a precocidade necessária, indicar as operações essenciais, além de desenvolver, dentre outras ações, modelos de bombeamento adequados que possam operar de forma preventiva ou emergencial, mitigando as situações extremas. Ou seja, desenvolver e implementar um plano de resiliência a inundações, para se antecipar e originar ações que possam proteger vidas e bens.

Este é o momento apropriado para compreender que os planos de recuperação devem aproveitar a oportunidade da reconstrução para edificar comunidades mais seguras e mais resilientes, que tenham a capacidade para resistir melhor às inundações no futuro.