Nos idos de 1899, Antonio da Silva Prado, primeiro prefeito de São Paulo, não tinha como adivinhar o que o futuro reservava para a cidade. Entre carroças, porcos e cachorros que ainda passeavam nas ruas, 240 mil habitantes tocavam a vida, na qual o relógio era mero acessório. Ficava fácil calcular quando sair de casa para chegar ao trabalho. Acontece que o desenvolvimento da capital paulista atropelou qualquer prognóstico. A população paulistana cresceu quarenta vezes no século XX, enquanto a de Nova York apenas dobrou.

Daqueles que sucederam o citado prefeito, poucos foram os que realmente se debruçaram sobre a questão do planejamento urbano com eficácia. Arthur Saboya preocupou-se com as indignas condições de habitação na cidade. Conforme estudos de 1944, poucas eram as vilas operárias e os cortiços predominavam. Artigo publicado na Revista do Arquivo Municipal mostrava que no distrito de Santa Ifigênia havia 116 cortiços. Neles viviam 2.129 pessoas, que dividiam nove banheiros. Depois dele, tivemos Prestes Maia, honrosa exceção, que começou a cuidar do complexo viário. Em seus 7 anos de gestão, findos em 1945, direcionou as obras públicas prioritariamente nas áreas centrais e arredores e pôs em prática, parcialmente, o Plano de Avenidas. Não pôde, porém, prover os subúrbios e a periferia, e deixou as áreas mais distantes entregues às ocupações clandestinas ou irregulares. Na época, São Paulo ostentava 1,3 milhão de habitantes.

Jânio Quadros, Adhemar de Barros, Paulo Maluf, dentre outros, e chegamos a José Carlos de Figueiredo Ferraz, outra exceção. Estávamos nos anos 70 e a população somava 5,9 milhões de cidadãos. “São Paulo precisa parar”, tentou decretar. A cidade, como sabemos, não parou, nem vai parar. Há quem considere que esse inchaço populacional foi orquestrado pelo então presidente Getúlio Vargas, que depois da Revolução de 32 decidiu enfraquecer a elite paulistana e diluir o poder do constitucionalismo, incentivando forte processo de migração, principalmente do Nordeste. Outra justificativa histórica seria o fato de o Brasil, por muitos anos, ter apenas dois endereços de referência: o Rio, onde estava a corte (questão de status), e São Paulo, onde estavam os barões do café (questão de dinheiro).

Prosseguindo, encontramos Marta Suplicy, que, ao final de sua administração, em 2004, deixou para São Paulo um Plano Diretor e uma Lei de Zoneamento. Excesso de “vontade política”, muita ideologia e pouco diálogo sincero impediram que esses diplomas exibissem eficácia. Ao contrário, sua complexidade e inadequação envolveram o munícipe na insegurança jurídica e no caos urbano, dificultaram o uso da infra-estrutura da cidade e criaram obstáculos para a produção em escala de moradia popular. Todavia, muito mérito deve ser dado, pois antecessores respeitáveis – como Covas – tentaram aprovar um Plano e não conseguiram.

O foco dos problemas de mobilidade que os 11 milhões de paulistanos enfrentam no dia-a-dia situa-se na falta de um bom planejamento. De acordo com a Fenabrave, o volume de carros comercializados cresceu quase 30% nos primeiros sete meses de 2008, em comparação com igual período do ano passado. E, conforme a Pesquisa Secovi SP, a venda de novas moradias cresceu 33%, considerada a mesma base. Mas a “culpa” pelo verdadeiro caos no trânsito não é dos automóveis, nem dos imóveis, embora ambos tenham aumentado sua presença. Eles são manifestações físicas, sintomas tão-somente. As pessoas precisam morar e se locomover.

Os pecados urbanos são que o trabalhador mora longe do trabalho, o doente carece de hospital perto de sua casa e o estudante deve percorrer quilômetros até sua escola. Para agravar, não existe transporte público suficiente. A questão maior a resolver é uma só: planejamento ineficaz. Vivemos décadas com governos que manifestavam “desejo de fazer”, ideologias, pensamentos. Mas pouco de prático aconteceu para enfrentar o crescimento explosivo e construir modelos inteligentes para nossa cidade. Nossa sociedade não mostrou capacidade de traçar um plano de ação realista e viável, de executar corretamente o planejado, controlar os resultados e programar a manutenção e os ajustes necessários com o tempo.

Hoje, o caos que vivemos é resultado da ausência dessa atitude. É falácia, portanto, afirmar que o desenvolvimento do mercado imobiliário é causa do trânsito. Aliás, cabe considerar que boa parte dos compradores de um novo empreendimento já vive no entorno. Será que a aquisição do imóvel é indutora da aquisição do automóvel? Não parece muito lógico. Esses carros já estão na rua ou no bairro. Uma presença difusa que o condomínio termina por revelar de forma concentrada ao oferecer teto ao paulistano, e uma garagem comum aos veículos.

Ainda hoje não temos projetos viários adequados. Nem mesmo para ciclovias: São Paulo poderia oferecer magnífico sistema a ciclistas, com garagens próprias, vestiários e integração com metrô, ao longo das Marginais e avenidas planas de fundo de vale que demandam o centro. Menos ainda para a criação de novas centralidades auto-sustentáveis, onde casa, trabalho, hospital e escola fiquem próximos. Que se dirá, então, de propostas efetivas ao transporte público, notadamente metrô suficiente para que São Paulo, hoje mais populosa que Nova York, recupere sua mobilidade.

Enquanto não atacarmos a origem, de nada adiantará atacar os carros, o setor imobiliário e, por conseqüência, os próprios cidadãos que, por necessidade de transitar e morar, necessitam desses produtos. Tudo o que vivemos hoje decorre da ausência de planejamento ou de planos inadequados. Esta é a razão da febre e de dores do trânsito, que atingem a todos nós.

As eleições municipais estão aí. O remédio virá com o prefeito ou a prefeita que souber planejar, executar, corrigir e manter esta cidade. Autoritarismo e manobra ideológica de grandes massas populacionais não são o caminho. Deve haver técnica, diálogo com especialistas, tolerância, interesse sincero em ouvir quem pode ajudar e sintonia com o Legislativo. E muito trabalho e paixão pela cidade. É o que se espera da sociedade paulistana engajada.

O foco dos problemas de mobilidade dos paulistanos está na falta de um bom planejamento.