O estímulo à conciliação, a previsão das etapas necessárias para a desconsideração da personalidade jurídica e a possibilidade de ordenar a penhora de percentual de faturamento da empresa são algumas das relevantes mudanças trazidas pelo novo Código de Processo Civil, que entra em vigor no ano que vem.

Para elucidar os novos aspectos do CPC, o advogado Eduardo Cinelli, coordenador adjunto do Núcleo Estratégico Legislativo do Secovi-SP (NEL), passa a contribuir quinzenalmente com o portal do Sindicato, escrevendo artigos sobre os principais pontos do novo CPC e o impacto que exercem no dia a dia das empresas.

“Em grande parte, as mudanças havidas são positivas, como o incentivo à conciliação, mas há outros que precisam de atenção, como a desconsideração da pessoa jurídica”, diz Cinelli, fazendo referência ao fato de que, a partir de 2016, a desconsideração poderá ser requerida desde o início, via petição inicial.

Em seu primeiro artigo, Cinelli destaca a ampliação da autonomia das partes no âmbito processual.

 

A REGRA DO JOGO

*Eduardo Cinelli

Etimologicamente, processo, do latim procedere, é uma palavra relacionada com percurso e significa “avançar” ou “caminhar para frente”. Assim, processo é um complexo de atos, não atos esparsos, mas uma sucessão de atos vinculados para a consecução da lei, ou, no dizer de Chiovenda, “o complexo de atos ao objetivo da atuação da lei, por parte dos órgãos da jurisdição ordinária.”

Tenho, para mim, que o processo é uma espécie de jogo no qual os contendores, respeitando as regras do mesmo, visam a obter uma decisão favorável que declare in casu a existência de direito ofendido. O “jogo” processual é regrado pelo Código de Processo Civil, que, tal qual a regra de um jogo de tabuleiro, estipula a forma dos lances, das jogadas, das penalizações para, enfim, se obter a vitória.

Em nosso sistema jurídico, o “jogo” só se inicia quando provocado. A provocação, no dizer de Jose Carlos Barbosa Moreira, consiste na demanda, ato pelo qual o autor requer ao Estado determinada providência jurisdicional.

Assim, a atividade jurisdicional – obrigação do Estado – é provocada para que, após um trâmite a ser seguido, o juiz – definido por Montesquieu como “La bouche de La loi” (a boca da lei) – pronuncie a vontade da lei. Desse modo, o processo se desenvolve entre dois momentos: o da demanda e o da sentença. Tudo o que entremeia esses momentos esta na Regra do Jogo.

De forma simplista, iniciado o jogo por provocação do autor, autor, juiz, réu e terceiros interessados deverão seguir o regramento do jogo – o Código de Processo Civil.

O Código de Processo Civil brasileiro, atualmente em vigor, de autoria do eminente professor Alfredo Buzaid – com quem tive a honra de trabalhar por cerca de 12 anos –, data de 1973. Em que pese seu brilhantismo, necessitava atualizações e adaptações para conviver com o mundo eletrônico e tornar o processo mais célere, dentre outras coisas.

Assim que, após exaustivas discussões coordenadas pelo ministro Luiz Fux e debates no Congresso Nacional, adveio a Lei nº. 13.105, de 16/03/2015 – o novo Código de Processo Civil Brasileiro. Sua estrutura e seus princípios mantêm a espinha dorsal do Código Buzaid, respeitando-se, dentre outros, o princípio da iniciativa da parte, forma escrita, duplo grau de jurisdição. Várias, porém, foram as modificações introduzidas na “nova regra do jogo judicial”.

Este trabalho visa a esclarecer de forma simples algumas das modificações e inovações desse regramento, sem qualquer pretensão doutrinária ou estudo aprofundado, dirigindo-se àqueles não iniciados nos estudos jurídicos.

Vale lembrar que aqueles que porventura se virem obrigados a recorrer ao Judiciário deverão se valer de procuradores aptos e conhecedores do jogo- advogados inscritos na OAB. Assim, seus advogados deverão ser aqueles mais experientes e conhecedores do Processo Civil.

Rotineiramente, estaremos publicando as inovações trazidas pelo CPC a fim de que, quando o mesmo entrar em vigor, em 16/03/2015, possa haver o mínimo de conhecimento necessário dessas regras, podendo, assim, melhor discernir ao estar em juízo.

O contrato como regra do jogo – O primeiro tema a ser abordado é totalmente inusitado no direito brasileiro e diz respeito à possibilidade de contratantes estipularem nos contratos mudanças nos procedimentos, convencionando ônus, poderes, faculdades e deveres processuais. A referida norma amplia sobremaneira a autonomia das partes no âmbito processual.

Escolhemos esse como o primeiro tema, pois contratos firmados na data de hoje poderão ser objeto de apreciação do Judiciário nos próximos anos, quando o novo código já estiver em vigor. Assim, as cláusulas hoje livremente pactuadas poderão regrar o futuro procedimento judicial e, como tal, serem as “regras do jogo”.  É o chamado “negócio jurídico processual”.

O novo código prevê a “cláusula geral de negociação processual nos artigos 190 e 191:

“Art. 190 – Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre seus ônus, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo

Parágrafo único – De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.”

“Art. 191 – De comum acordo, o juiz e as partes poderão fixar calendário para a prática de atos processuais, quando for o caso.”

Desse modo, ao contratar, as partes podem estabelecer a “regra do jogo processual” a ser aplicada em ação derivada do contrato.

Trata-se de novidade no mundo processual, certo que o código anterior só continha a possibilidade de eleição de foro e de distribuição convencional do ônus da prova. É modelo bastante usado nas arbitragens.

Mas a regra não é ilimitada, pois o juiz poderá recusar aplicação de cláusulas nulas ou que entender abusivas em contrato de adesão ou em situação de manifesta vulnerabilidade de uma das partes. Será trabalho da doutrina e da jurisprudência fixar os limites do que será possível, devendo sempre tratar-se de direitos disponíveis.

Entendo, porém, que a regra permite a criação de um procedimento diferenciado e especialíssimo, podendo as partes, exemplificativamente, modificar prazos, fixar calendário processual, nomear perito, forma de apresentação de documentos etc.

O Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) publicou na revista de Processo, vol. 233, RT, em julho de 2014 alguns Enunciados sobre a matéria entendendo:

“17 – As partes podem, no negócio processual, estabelecer outros deveres e sanções para o caso do descumprimento da convenção.

19 – São admissíveis os seguintes negócios processuais, dentre outros: pacto de impenhorabilidade, acordo de ampliação de prazos das partes de qualquer natureza, acordo de rateio de despesas processuais, dispensa consensual de assistente técnico, acordo para retirar o efeito suspensivo da apelação, acordo para não promover execução provisória

20 – Não são admissíveis os seguintes negócios bilaterais, dentre outros: acordo para modificação da competência absoluta, acordo para supressão da 1ª. instância.

21- São admissíveis os seguintes negócios dentre outros: acordo para realização de sustentação oral, acordo para ampliação do tempo de sustentação oral, julgamento antecipado da lide convencional, convenção sobre prova, redução de prazos processuais.”

Enfim, aqueles que não querem se submeter à arbitragem poderão, sem abrir mão de ir a juízo, estabelecer “a regra do jogo”. Estamos, assim, diante de imensa novidade no mundo contratual e na redação de suas cláusulas, o que poderá e deverá ser bastante observado e utilizado pelos advogados que as redigem, que deverão conhecer processo civil ou valer-se de especialistas.

*Eduardo Cássio Cinelli é advogado. (cinelli@cinelliadvocacia.com).