O Brasil volta a enfrentar decisiva discussão de repercussão nacional em torno da interpretação do art. 231, da Constituição Federal, que assegura aos povos indígenas os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam.
Em março de 2009, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (“STF”), por ocasião do julgamento do célebre caso “Raposa Terra do Sol”, havia firmado o entendimento de que a demarcação somente poderia ter por objeto as terras que vinham sendo ocupadas pela comunidade indígena em 05 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição Federal, o chamado “marco temporal” (Pet. 3.388/RR).
Não obstante, o tema foi novamente submetido ao julgamento do STF, dessa vez com repercussão geral e caráter vinculante reconhecido (RE 1.017.365/SC). O caso envolve disputa sobre ampliação de área já demarcada no Estado de Santa Catarina, a Reserva Biológica do Sassafrás, tendo o tribunal de origem negado a demarcação em face da ausência de prova de ocupação das terras nos limites do marco temporal. O julgamento teve início em setembro de 2021, já contando com um voto contrário (do Relator, Min. Edison Fachin) e outro favorável à aplicação do marco temporal (Min. Nunes Marques). A continuidade do julgamento está prevista para o próximo dia 07 de junho de 2023, com apresentação do voto do Min. Alexandre de Moraes.
Definido há quase 15 anos, quando do julgamento do caso Raposa Terra do Sol, o critério do marco temporal é de extrema relevância para a segurança jurídica, pacificação de conflitos fundiários, contribuindo intensamente com a inclusão e proteção dos povos indígenas.
Sem um critério objetivo, as demarcações poderiam, repentinamente, ser orientadas pela posse imemorial das terras, gerando incertezas, insegurança e disputas não apenas para a produção de alimentos no campo, mas também para o desenvolvimento dos centros urbanos, que já foram ocupados por aldeamentos no passado.
A preocupação causada por uma possível mudança repentina de jurisprudência consolidada trará impactos econômicos e sociais incalculáveis o que, inclusive, levou a Câmara de Deputados a aprovar tramitação, em regime de urgência e votação direta no Plenário, que pode ocorrer ainda no mês de maio de 2023, de projeto de lei que regula a aplicação do marco temporal como instrumento de promoção dos direitos originários dos povos indígenas sobre as terras que tradicionalmente ocupam (PL 490/07).