Objeto de controvérsia e, muitas vezes, de decisões subjetivas, políticas e até emocionais, o tombamento constitui-se em um primeiro e decisivo passo para a preservação de bens edificados de interesse histórico e cultural das cidades.

A preservação desses bens é condição necessária para a preservação de um dos mais significativos suportes para a construção da memória coletiva. A visibilidade pública e cotidiana do bem tombado, bem como a possibilidade de sua fruição social e apropriação cultural, faz com que a sociedade, de forma mais imediata, se reconheça e construa a sua identidade.

O que percebemos, no entanto, é que, além de dividir opiniões, sua conceituação ainda gera conflitos. Preservar o que, para que, para quem e como?

Passados mais de 70 anos da criação do SPHAN – Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, essas perguntas continuam, inacreditavelmente, sem respostas. Há dúvidas quanto aos critérios de preservação e utilização dos monumentos, às competências e atribuições do Estado e, ainda, aos dispositivos legais de conservação dos bens culturais.

Na prática, o instituto do tombamento, por si só, não tem representado uma garantia efetiva de tornar a propriedade imobiliária bem de valor social. Um bem imóvel tombado não significa, necessariamente, um bem preservado – e isto a realidade tem continuamente nos demonstrado.

Diante do violento processo de descaracterização urbana, a sociedade responde, muitas vezes, com um comportamento excessivamente conservacionista, que se contrapõe ao pragmatismo de diversos setores empresariais, notadamente o imobiliário.

A propriedade imobiliária não pode e não deve ser considerada apenas como valor de uso, mas, principalmente, por seu potencial valor econômico determinado pelas regras do mercado. Diferentemente do bem móvel, para o qual o tombamento pode representar, de fato, até mesmo um certificado de autenticidade e, consequentemente, permitir o aumento de seu valor em termos de mercado, a determinação do tombamento de bens imóveis é geralmente considerada pelos seus proprietários apenas como um ônus, uma penalização que os obriga a arcar individualmente com a responsabilidade de preservar um bem, em benefício de um interesse que é essencialmente coletivo. Pela tendência de encarar a preservação simplesmente como um “congelamento” de um bem privado, cuja apropriação em termos de potencial econômico é restringida, instaurou-se entre muitos proprietários a cultura do descaso em relação à preservação como forma de provocar, literalmente, o “tombamento” do imóvel.

Nesse sentido, considerando que o tombamento implica, de fato, na restrição do direito de propriedade privada em benefício do interesse coletivo – tratando-se, portanto, de uma iniciativa que deve ser assumida pelo conjunto da sociedade por meio da mediação do poder público -, faz-se necessária, e urgente, a formulação de novas políticas públicas que efetivamente incorporem instrumentos eficazes como contrapartida aos proprietários.

Entre outras medidas, seriam altamente desejáveis que os incentivos fiscais passassem a incidir sobre os diversos tributos existentes; que a duração dos incentivos permanecesse por todo o tempo de conservação do imóvel; que a isenção fosse extensiva aos proprietários, aos locatários, às atividades exercidas, aos patrocinadores e aos profissionais envolvidos; que se desenvolva um trabalho de sensibilização das agências de financiamento nacionais e internacionais para a criação de linhas de financiamento voltadas à preservação; que os recursos das agências financiadoras de construção habitacional fossem também dirigidos à reabilitação de imóveis tombados destinados à moradia; e que fossem significativamente ampliadas as possibilidades de transferência de potencial construtivo dos imóveis tombados.

Tais instrumentos, além de contribuir para a transformação da visão restritiva pela qual é enfocado o tombamento, deverão, certamente, ampliar as perspectivas e possibilidades de apropriação e uso adequado dos bens tombados, garantindo, assim, a sua real preservação.

Eduardo Della Manna é arquiteto, coordenador-executivo da vice-presidência de Assuntos Legislativos e Urbanismo Metropolitano do Secovi-SP e membro do Conselho Municipal de Política Urbana e do Conselho Municipal do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.