Imagine um dashboard por meio do qual é possível monitorar os bueiros da cidade e receber alertas individuais de quando é necessário fazer limpeza e manutenção, evitando alagamentos. Que tal um sistema inteligente capaz de identificar e até mesmo restabelecer à distância problemas no fornecimento de energia elétrica? Isso já é realidade em cidades como São Paulo e Barueri, respectivamente, e, em breve, também será no Rio de Janeiro, no caso dos bueiros.
Essas cidades estão sendo beneficiadas pela adoção de tecnologias voltadas para smart cities, ou cidades inteligentes, tema de recente encontro do grupo de Inovação dos Novos Empreendedores do Secovi-SP (Secovi NE), que promove reuniões, debates e eventos sobre tendências no mercado imobiliário.
“Smart cities são cidades que usam a tecnologia para melhorar a operação da infraestrutura urbana e para tornar os centros urbanos mais eficientes, com melhor qualidade de vida e menos desperdício”, define Claudio Bernardes, presidente do Conselho Consultivo do Secovi-SP e presidente do Conselho de Gestão de Urbanismo e Licenciamento da Prefeitura de São Paulo.
Os sensores, subterrâneos e aéreos, são a base para coletar dados, e a internet é essencial para conectar os dispositivos e fazer a transmissão desses dados. A essa rede conectada de objetos com tecnologia embarcada dá-se o nome de Internet das Coisas, ou IoT (do inglês, Internet of Things). “IoT passou a ser a plataforma para a cidade inteligente, que funciona com tecnologia, informação e conexão entre equipamentos. Essa correlação de conexão entre tudo – objetos e pessoas – possibilita que se tenha uma cidade verdadeiramente inteligente”, adiciona o dirigente do Secovi-SP.
Os bueiros citados no início da reportagem são exemplo de uma das muitas aplicações que transformam uma cidade em smart. Em 2017, cidade de São Paulo implementou um projeto com cem bueiros sensorizados, que sinalizam quando é hora da limpeza. O projeto resulta de parceria entre as empresas Cisco e Logicalis. Ao custo de US$ 25 por unidade, o retorno sobre o investimento é de um ano.
A cidade do Rio de Janeiro vai ganhar 1.500 bueiros sensorizados em breve. “Além da redução do custo de manutenção, a expectativa é um tremendo impacto na redução de alagamentos na cidade”, diz o engenheiro de telecomunicações Renato Pazotto, diretor de Desenvolvimento de Negócios para América Latina da Cisco na área de smart cities. A previsão é que a implementação do projeto na capital fluminense seja concluída até dezembro deste ano.
“Smart cities congregam tecnologias para elevar a qualidade de vida dos seus moradores, de tal modo que pessoas de 8 a 80 anos se sintam acolhidas, oferecendo mobilidade, segurança pública, uso eficiente de recursos e inovação”, diz Pazotto, que participou do evento do Secovi NE.
Planejamento urbano eficaz – Sensores, rede de comunicação de voz, dados e vídeo, criação de anéis óticos e, futuramente, investimento em redes 5G estão entre os componentes da infraestrutura para uma smart city. “A coleta de informações do funcionamento da cidade, a partir dos sensores – medição da qualidade do ar, ruído, deslocamento, aglomeração de pessoas e automóveis etc. –, é primordial para o planejamento urbano futuro e para uma gestão mais eficiente”, explica Pazotto.
Para o economista Rodrigo Riedel Abrahão, sócio-diretor da Maximus Incorporadora e coordenador do GT Inovação, do Secovi NE, o momento de crise do País e de baixa arrecadação das prefeituras exigem maior eficiência das gestões. “Essa tecnologia se apresenta como uma solução de baixo custo. O uso dos sensores, além de ganhos de curto prazo, como resolver problemas de trânsito e enchentes, traz um ganho ainda maior no médio e longo prazo, em razão da quantidade de dados que serão gerados”, explica. “Por exemplo, o tráfego de carros e pessoas na cidade, monitorado e contabilizado ao longo do tempo, será uma ferramenta importantíssima para a revisão do Plano Diretor da cidade no futuro.”
Há muitos outros exemplos da aplicação das tecnologias para cidades inteligentes: monitoramento de ações criminosas, controle de poluição sonora e do ar, resíduos, estacionamento, gestão de tráfego, controle de abastecimento de água (vazamentos, qualidade e contaminação), medição remota de gás e luz, controle de acidentes geológicos e monitoramento de incêndios.
Gargalos – Entre os entraves para o avanço da tecnologia para smart cities no Brasil, está a falta de informação e de preparo por parte dos gestores públicos. Estudo realizado em 2014 pela Fundação Getúlio Vargas, abrangendo 21 Estados brasileiros, mostra que 53% dos secretários municipais nunca ouviram falar no tema. “Falta conhecimento por parte dos planejadores e gestores das cidades, falta conscientização dos benefícios para as cidades”, aponta Claudio Bernardes, do Secovi-SP. “Depende de uma decisão política, de governo. As cidades não têm condições de fazer por elas mesmas. É necessário um plano estadual.”
Para o empresário Alexandre Lafer Frankel, coordenador do Secovi NE, outro grande gargalo está no fato de o poder público não conseguir imprimir agilidade nos processos, entre outras coisas por falta de verba. “As iniciativas acabam sendo mais da iniciativa privada do que do poder público. Mesmo empresas que se dispõem a doar e a implementar soluções sem custo, vêm suas iniciativas brecadas pela burocracia. É um desafio a ser superado.”
Frankel aponta como caminho a integração entre as esferas públicas e o Secovi-SP, como representante de empresários da indústria imobiliária, um dos grandes conectores entre as duas pontas. “A entidade tem um papel fundamental nesse processo de inovação, verificando ações com novas tecnologias e trabalhos de dados e suas diversas aplicações.”
O setor imobiliário também tem o importante papel de projetar bairros novos preparados para smart cities e, dessa forma, ser um indutor de outros bairros a aderirem também, explica Bernardes. “E nas cidades onde já há tecnologia, as empresas podem preparar empreendimentos para serem integrados aos sistemas de comunicação já presentes”, adiciona.
Incentivo fiscal – De acordo com Renato Pazotto, países que estão tendo sucesso na implantação de infraestrutura para cidades inteligentes, como a Índia, contam com um programa de governo bem estruturado, incentivando a força de trabalho local e desonerando os impostos de importação das tecnologias habilitadoras. “A carga tributária no Brasil não contribui para a aceleração de projetos”, comenta. Na América do Sul, Colômbia, Chile, Equador e Argentina estão entre os países com carga tributária muito menor, o que viabiliza investimento em projetos de mobilidade urbana.
Embora o cenário político-econômico do Brasil tenha freado investimentos e projetos, ele enxerga um movimento de gestores em busca de informação dos ganhos possíveis com a tecnologia para as cidades e a necessidade de agir. “Sou otimista em relação à aceleração deste tipo de projeto em um futuro próximo”, diz.
Reportagem de Catarina Anderáos para a Revista Secovi-SP – A revista do Mercado Imobiliário 298, Novembro/2018, pp. 22, 23, 24 e 25.
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