Secovi-SP espera condução firme do novo governo

O novo presidente da República tem à frente um gigantesco desafio. O País tem hoje uma taxa de desemprego na casa de 12% da população economicamente ativa – cerca de 12,7 milhões de pessoas. Soma-se a isso mais 14,2 milhões de desalentados, pessoas cujo grau de desesperança atingiu tal ponto que desistiram até mesmo de procurar trabalho.

Não há passe de mágica que reverta esse quadro do dia para noite. Por trás de todo esse cenário, estão as combalidas contas públicas: para este ano, o déficit estimado é de R$ 159 bilhões.

A saída está no crescimento econômico, que terá de ser superior ao 1,4% previsto para 2018. As bases que sustentarão essa ancorada ainda não foram expostas com clareza por pelo presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL). Mesmo assim, o que ele e seu futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, têm aventado já foi suficiente para dar uma lufada no setor produtivo.

“Quando candidato, Bolsonaro falou muito sobre desburocratização. Nossa esperança é que ele, de fato, agilize os processos, reduza a máquina pública e facilite a vida de quem quer empreender”, afirma Flavio Amary, presidente do Secovi-SP.

Essa é uma necessidade premente, principalmente quando se observa os recentes dados Doing Business, ranking mundial que é referência para mapear as facilidades ou dificuldades de se empreender em diversas economias. Segundo relatório divulgado no final de outubro, o Brasil ocupa o vergonhoso 170º lugar, de um total de 190 países, no quesito obtenção de alvará de construção. Para uma indústria reconhecida por todos os governantes como a que mais gera empregos, é incoerente.

A questão não fica atinada apenas no campo dos entraves burocráticos. Vai além. “Esperamos sinais claros e concretos de que o ambiente de segurança jurídica será aprimorado. Também precisamos saber os rumos que tomarão as necessárias reformas, para que o crescimento econômico nos próximos anos não deixe a desejar”, emenda Amary.

Previdência em foco – Guedes é entusiasta da aprovação da reforma da Previdência ainda este ano. No entanto, Onyx Lorenzoni, futuro ministro-chefe da Casa Civil e atualmente responsável, pela equipe de transição, ponderou o custo político da medida, frustrando as expectativas de votação do tema ainda em 2018.

Amary: Redução da máquina pública

Dentre as propostas da equipe do novo presidente, está a capitalização da Previdência – cada pessoa custearia sua própria aposentadoria, como se fosse uma poupança para o futuro. Seria um rompimento com o modelo atual, o de repartição, em que os trabalhadores ativos financiam o pagamento de quem se aposenta. Um porém da medida é que, como só poderia ser implementada para novas contratações, seu efeito não teria repercussão efetiva imediata.

Analistas apostam que Bolsonaro acabará aproveitando parte da reforma desenhada pelo governo Michel Temer, cuja tônica está na idade mínima. Se esse for o caminho, o presidente eleito terá de negociar – e muito – com o novo Congresso.

“A gente percebe que está todo mundo falando das reformas. É um assunto que está na boca da população. A sociedade já assimilou essa ideia. Mesmo que não se goste do que é proposto, as pessoas sabem que é algo que tem de acontecer”, analisa o presidente do Secovi-SP.

Não apenas Bolsonaro, mas também muitos dos parlamentares eleitos endossam a necessidade de reformas. Construíram suas candidaturas batendo na burocracia, no inchaço do Estado e nos privilégios custeados pela Previdência. “Agora tem de haver maturidade política para mudar o discurso quando tomarem posse. O presidente [eleito] deve usar sua força política e seu capital para implementar as ações necessárias para recuperar a confiança na economia”, aduz.

Efeitos em cascata – Bolsonaro deu outras sinalizações. A criação da carteira de trabalho verde e amarela, para jovens de até 25 anos, é um exemplo. Por meio dela, o trabalhador aceitaria ser empregado com menos direitos trabalhistas. Além de questionamentos no Supremo Tribunal Federal (STF), a medida implicaria consequências em outra área crucial para o setor imobiliário: o FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço).

Como a adesão à nova carteira implicaria abrir mão de recolher encargos sociais, haveria menos arrecadação para o Fundo, uma das principais fontes de recursos para custear e subsidiar o Minha Casa, Minha Vida. “O funding para a produção habitacional de baixa renda é algo que nos preocupa. O orçamento previsto para o ano que vem é semelhante ao de 2018. Ocorre que o dinheiro do FGTS destinado à habitação previsto para todo este ano acabou em setembro”, sinaliza o economista-chefe do Secovi-SP, Celso Petrucci.

Por sinal, é imprescindível que o FGTS volte a ser destinado às suas finalidades originais. Este é um pleito inarredável do setor ao novo presidente. Embora tenha avançado em muitas coisas – como a PEC do Teto dos Gastos, a lei da terceirização e a reforma trabalhista –, o governo atual acabou recorrendo ao Fundo para socorrer áreas adversas às suas finalidades, caso do amparo às Santas Casas, da garantia de empréstimos consignados, da liberação do saldo de contas inativas e do suporte a inadimplentes do Fies (Fundo de Financiamento Estudantil).

Bolsonaro se comprometeu a dar continuidade ao Minha Casa, Minha Vida. Ensaiou mudar o nome do programa, e também disse em vídeo (veja em https://bit.ly/2RuaZ3U) que reduzirá os juros cobrados. “Independentemente do nome que venha a receber, estamos falando do maior programa habitacional do mundo, que, de 2009 para cá, contratou mais de 5,5 milhões de moradias”, constata Petrucci.

Petrucci: Capacidade instalada do setor

Conforme matéria veiculada na edição de outubro da Revista Secovi-SP, a demanda por imóveis do MCMV é imensa. O déficit habitacional totaliza mais de 7 milhões de residências, segundo a Fundação Getúlio Vargas. “O mercado imobiliário tem plenas condições de atender a essa demanda. Temos capacidade instalada e know how para fazer acontecer” diz o economista-chefe.

Incentivado, o MCMV tem potencial para desencadear uma série de efeitos positivos e em cascata na economia. Para se ter uma ideia, basta notar que uma casa de 100 metros quadrados pode gerar cerca de 4 empregos. Dada a demanda reprimida por habitação, se o setor imobiliário operar a todo vapor para atendê-la, mais de 7,5 milhões de empregos por ano poderão ser gerados, incluídas, aí, as vagas de trabalho diretas e indiretas.

“O Minha Casa, Minha Vida, se adequadamente estimulado, pode trazer benefícios enormes à economia. Além de proporcionar moradia digna a famílias de baixa renda, o governo pode se beneficiar de R$ 220 bilhões ao ano só de impostos gerados com o programa”, afirma Amary.

O Secovi-SP defende ainda que habitação não é só casa própria. “É importante que o governo adote proposta já apresentada para criação do LAR (Locação Acessível Residencial), programa dirigido a famílias com renda de até seis salários mínimos, um segmento de continuidade do MCMV. Essa proposta, encabeçada por nós, já está no Ministério das Cidades”, lembra ele, ressaltando que a questão do LAR e a manutenção dos recursos do FGTS para habitação social foram apresentadas a Paulo Guedes durante encontro realizado antes do segundo turno das eleições.

Transparência e segurança – Para além da habitação social, o setor tem outras demandas. “É fundamental que seja estabelecida uma lei geral sobre licenciamento ambiental. Uma legislação que traga indispensável simplificação e clareza, evitando idas e vindas e, principalmente, sobreposição de diplomas legais. O setor precisa de segurança jurídica para investir, ofertar habitações e gerar empregos em escala”, adiciona o presidente do Secovi-SP.

A subjetividade que permeia todo o processo ambiental deixa inseguros não apenas os empresários, mas também os técnicos de órgãos de governo. Amary lembra que, não raro, esses profissionais acabam indeferindo um sem-número de processos, temendo que, no futuro, o Ministério Público venha a questioná-los – ainda que todo o licenciamento tenha sido feito dentro da lei e obedecendo a boa-fé.

Há muito tempo, o Secovi-SP propõe que seja criado um seguro para essas ocasiões, que seria utilizado com o objetivo de custear a defesa do servidor público em eventuais ações judiciais. Ainda, é essencial que se conceba legislação específica de proteção ao servidor, seja ele federal, estadual ou municipal, de maneira que todo aquele que exercer corretamente sua função esteja coberto por esse seguro ou medida similar.

Importante, também, incentivar o retrofit de imóveis degradados, conferindo-lhes nova vocação. E mesmo rever normas que mantêm bairros inteiros congelados à coletividade e deixam de servir as cidades, embora a maioria das casas esteja vazia. Diretrizes nacionais de desenvolvimento urbano podem orientar questões desta ordem.

O setor imobiliário tem tudo para acelerar a retomada do crescimento nacional. Basta que sejam oferecidas condições mínimas que lhe permitam trabalhar cada vez mais pelo Brasil e pelos brasileiros. “O Secovi-SP continua disposto, como sempre esteve, a contribuir na elaboração de políticas públicas voltadas ao setor imobiliário e também na construção conjunta de soluções para fazer com que o Brasil volte a trilhar o rumo do crescimento”, finaliza Amary.

Reportagem de Leandro Vieira para a Revista Secovi-SP – A revista do Mercado Imobiliário 298, Novembro/2018, pp. 12 a 16.

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