Hápoucos meses, foi entregue à Câmara dos Deputados Proposta de EmendaConstitucional (PEC) da Habitação, que propõe ao governo a destinação de2% dos recursos da União e 1% dos Estados e municípios para habitaçãopopular.

Resultado de decisão conjunta e inédita deempresários, representantes de movimentos populares por moradia,centrais sindicais e parlamentares das mais diferentes legendas e linhasideológicas, a PEC pretende solucionar definitivamente o déficithabitacional de oito milhões de moradias.

Por muitotempo, o mercado imobiliário relutou em carimbar dinheiro parahabitação, pelo risco de a medida não ser aceita socialmente. Mas não émais possível conviver com grande parcela da população morando emcondições precárias, cujas causas são refletidas na saúde, educação equalidade de vida.

As famílias de baixa renda ficaramdécadas relegadas à própria sorte e contribuíram com isso, além dogoverno, empresários, que para sobreviver voltaram os olhos para a fatiado mercado com condições de pagar o preço de uma unidade habitacional.

Esse movimento foi impulsionado com a extinção do BancoNacional de Habitação (BNH), em 1986. Naquela década, ainda como frutodo “milagre brasileiro”, eram produzidas e comercializadas ao ano emtorno de 600 mil unidades. Não cabe julgar se a política habitacionalera a mais correta, o fato é que existia.

Outro fatorque levou o mercado a atender predominantemente as classes A e B nasdécadas seguintes foi o alto índice inflacionário, muitas vezes superiora 90% ao mês. Não há nada pior para a indústria da construção civil eimobiliária do que inflação e insegurança jurídica. Na rota dessemovimento de escassez de recursos financeiros dos bancos, as empresaspassaram a parcelar o preço do produto final, assumindo riscoscompatíveis aos agentes financeiros.

Com a estabilidadeeconômica do Plano Real, o controle da inflação, a consolidação demarcos regulatórios e o retorno, em 2004, dos bancos ao créditoimobiliário, criou-se a possibilidade de ampliar a produção de novosimóveis e o financiamento de boa parcela da população de média renda.Com a aprovação desta PEC a indústria da construção civil poderádespender esforços para atender a população de baixa renda,principalmente a que compõe maior volume do déficit habitacional. Masmudanças legais ainda se fazem necessárias e urgentes. Na cidade de SãoPaulo, por exemplo, o Plano Diretor, de 2002, e a Lei de Zoneamento, de2004, criaram espaços exclusivos para a construção de Habitações deInteresse Social (HIS), dentro das Zonas Especiais de Interesse Social(Zeis). O mecanismo, cuja intenção foi induzir a produção de habitaçõesde interesse social, na prática não funcionou.

Efetivamente, poucos projetos foram aprovados em Zeis,contrariamente às ocupações irregulares, que só cresceram. Atualmente, acidade abriga 1.565 favelas, conforme dados da Secretaria Municipal deHabitação.

Ao engessar a atividade imobiliária commecanismos de indução à produção de moradias para baixa renda em locaisdeterminados por lei, a prefeitura inviabilizou o instituto das Zeis. Osempreendedores imobiliários estão convencidos sobre a importância deatender à grande demanda por HIS, mas esse adensamento tem de acontecerdentro de regras claras e flexíveis de zoneamento. Da forma como está,estimula-se o surgimento de guetos e o fortalecimento da exclusãosocial.

Com a aprovação da PEC, os empresários poderãoconstruir HIS em várias regiões da cidade, independentemente de serem ounão classificadas como ZEIS, aproveitando a infra-estrutura instalada. Ocentro da cidade de São Paulo, por exemplo, possui amplas condições deabrigar novas moradias, de maneira a impulsionar a recuperação de áreasdegradadas. Com estímulo à produção de habitações dignas naquela região,o tecido urbano se tornará, efetivamente, vivo, haverá aproximação damoradia com local de trabalho e conseqüente melhora no trânsito. A zonacentral liga-se aos demais bairros da cidade, pois concentra grandevolume de linhas de metrô – transporte rápido e eficiente – e corredoresde ônibus.

Assim como no restante do País, 84% dodéficit habitacional paulista está concentrado em famílias que ganhamaté três salários mínimos. Para elas, é preciso subsídio, que não se dásó com dinheiro, mas também com políticas compensatórias, como isençãofiscal para as habitações de interesse social – a cada unidadeconstruída, mais de 30% do investimento custeia impostos.

Infelizmente, o brasileiro acostumou-se com a solução dos”puxadinhos”. A filosofia da autoconstrução estimula a informalidade e oaumento das ocupações em áreas inadequadas e de risco. A saída lógicaestá na produção de moradias formais e em escala. Reformas necessáriasdevem ser promovidas a fim de que todos possam morar, viver dignamente eusufruir os benefícios de uma nação socialmente justa.