Cerca de 500 vagas de garagem parece ser um bom número para abrigaros carros de executivos de um grande complexo industrial ou até mesmo defamílias em passeio em um shooping ou em compras num hipermercado. Masbasta imaginar esses 500 automóveis se movimentando ao mesmo tempo e, dequebra, cruzando, na saída, com outros tantos veículos do empreendimentoao lado, para a tranquilidade dar lugar ao caos do tráfego viário.
É por isso que se investe tanto em obras que minimizemo impacto de edifícios no trânsito da cidade. Calcula-se que 3% a 5% docusto total de um projeto seja destinado a esse fim. Mas se a soluçãofosse só o investimento em projetos, a coisa seria mais fácil. Nessaconta, entram também a lentidão dos processos de aprovação dos chamadospólos geradores de tráfego, via CET (Companhia de Engenharia deTráfego); os parcos investimentos em infra-estrutura de transportecoletivo; a dificuldade do retrofit nos grandes contros urbanos e adisputa por terrenos em áreas concentradas.
Nestaentrevista para a revista Construção Mercado, Eduardo Della Mana,diretor-executivo do Secovi-SP (Sindicato da Habitação do Estado de SãoPaulo), traça um panorama dos desafios do setor frente aocongestionamento na cidade de São Paulo. E rebate: “A culpa não é domercado imobiliário. Por que não proíbem a fabricação de automóveis noritmo em que se está? São 800 carros que entram por dia em São Paulo!.”
Recentemente, a CET divulgou que, em São Paulo, umnovo prédio é lançado por dia, prejudicando o tráfego viário na cidade.Qual a influência do crescimento do setor imobiliário no trânsito em SãoPaulo?
Muitas vezes a gente fica nessa história de”empreendimentos imobiliários podem causar problemas de tráfego”. Essaquestão está, para mim, muito mal colocada e o próprio Plano Diretor,aprovado em 2002, não abordou adequadamente essa questão. Na cidade deSão Paulo, temos que ocupar os grandes vazios urbanos e maximizar ainfra-estrutura já instalada. O paulistano, na medida do possível, temque deixar de lado o automóvel. É fundamental que a linha de metrô sejausada de uma maneira mais expressiva. E se não há linha de metrô (e elaestá sendo feita), vamos tentar concentrar a produção imobiliária, tantoresidencial quanto não residencial, ao longo dessas vias de transportecoletivo de massa.
É importante que se tire o foco dosistema viário, ou não vamos conseguir dar conta nunca. Por que nãoproíbem a fabricação de automóveis no ritmo em que se está? São 800carros que entram por dia em São Paulo! A culpa não é do mercadoimobiliário; ele está atendendo a uma demanda. Em Paris, Londres, NovaYork, se você quiser sair de carro, sai e enfrenta o congestionamento.Só que lá, o poder público investiu pesado, e há muito tempo, notransporte coletivo de massa. Aqui, se gastou muito em abertura desistema viário (avenidas, túneis).
E o quesignificaria ocupar esses grandes vazios urbanos, como o senhormencionou?
O Plano Diretor até apontou para issoquando criou regiões de intervenção urbana, e uma área de intervençãourbana específica para transporte coletivo de massa. Mas nãoregulamentaram isso. A prefeitura precisa regulamentar e aplicar apossibilidade efetiva de adensamento nessas regiões. Por um simplesmotivo: lá tem metrô. Seria uma maneira de minimizar esse impacto para osistema viário.
Que localidades periféricas seriamessas?
O Plano Diretor definiu que, num perímetrode 600 m das estações de metrô ou de ferrovia, e em faixas de 300 m aolongo das próprias linhas, poderia, eventualmente, haver um potencialconstrutivo maior, isto é, um adensamento mais significativo. EmCuritiba, por exemplo, todos os eixos de verticalização coincidem comesses eixos de transporte coletivo.
Mas há terrenospara isso?
Existem maneiras. No mercadoimobiliário, é possível comprar casinhas e transformar num terreno, oucomprar um conjunto de imóveis maiores, de galpões maiores, demolir efazer uma coisa nova. Há um grande vazio urbano na região da Mooca, doIpiranga, onde a prefeitura propõe há muitos anos uma operação urbana,chamada de operação urbana diagonal sul. Mas essa operação precisa deuma lei que a regulamente para poder funcionar. Seria uma forma deocupar uma região que está sendo subaproveitada, já que há metrô eferrovia. Há grandes imóveis que estão abandonados, fechados, porque erauma região que apresentava um perfil industrial. Essas empresas jásaíram de lá.
Em termos gerais, o senhor estápropondo uma atualização dessas áreas. O retrofit nos grandes centrostambém pode ser uma solução?
Sem dúvida. Há umparque imobiliário na região central da cidade que poderia serrequalificado. O mercado imobiliário tem o maior interesse nisso, aindústria da construção civil detém tecnologia de retrofit e quer fazerisso. O que impede é que a legislação dificulta muito a aprovação de umretrofit.
Por que? Por causa da aprovação deprojetos?
Se você tiver que reformar uma edificaçãoque foi construída nos anos de 1920, 1940 – além dos problemasrelacionados às obras de preservação -, terá que executá-la à luz donovo código de obras, que é da década de 90. E daí, há muita coisa quenão se consegue aprovar porque não existem respostas.
O senhor poderia me citar um exemplo de uma reforma cujaatualização seja problemática assim?
Um caso queacho interessante é de uma edificação que foi por muitos anos um hotel,em São Paulo, na Rua 7 de abril. Um empreendedor imobiliário comprou oimóvel para transformá-lo num prédio residencial. Essa edificação tinhaum subsolo que não era utilizado para garagem, mas para depósito. Então,ele resolveu transformar esse subsolo numa lavanderia coletiva. Mas oelevador não chegava até o subsolo e, pelo código de obras, deveriachegar. Esse impasse foi resolvido depois de aproximadamente um ano,quando se chegou à conclusão de que poderia ser admitido um elevador demenor porte, que pudesse atender especificamente ao depósito/lavanderia.Não se tem uma legislação que dê respostas a isso e, apesar de o setorsugerir a diversas gestões, a prefeitura não faz os esforços adequados.
Entendo tudo isso. Mas, independentemente dosproblemas da legislação, do excesso de carros e de um subaproveitamentodas linhas de metrô, há um mercado imobiliário crescente, e um aumentodo número de empreendimentos considerados pólos geradores de tráfego.Qual o impacto deles?
Existe sim uma tendência deos empreendimentos imobiliários precisarem, cada vez mais, de aprovaçõespor parte da Companhia de Engenharia de Tráfego. Por quê? O PlanoDiretor e a nova Lei de Zoneamento (Lei 3.825, de 2004) rebaixaramsignificativamente o perímetro de reaproveitamento dos terrenos. Emfunção disso, as empresas de modo geral passaram a procurar terrenosmaiores para conseguirem produzir o mesmo número de unidades queproduziam.
Mas esse não é o único motivo. Há umatendência de investimentos no mercado de baixa renda, que exige terrenosmaiores, e também por uma questão de custo, não?
Perfeitamente. Os empreendimentos precisam hoje de um número deunidades significativo, por conta das despesas do marketing e dedivulgação dos empreendimentos. Mas na medida em que se faz maisunidades, os empreendimentos ficam mais próximos das exigências da CET.O Decreto 32.329, de 1992, que regulamentou a Lei 11.228, classificou,como pólo gerador de tráfego, todas as edificações não residenciais comnúmero igual ou superior a 200 vagas, em qualquer região do município; ede 80 vagas, quando localizadas em áreas especiais de tráfego. Essasáreas foram criadas em 1987, sob a Lei 10.334, da época de JânioQuadros, então prefeito. Entram também as edificações residenciais commais de 500 vagas, e outros tipos de edificações como prestação deserviço de saúde (superior a 7.500 m2 de área computável); escolas euniversidades com mais de 2.500 m2; e por aí vai. Se você tiverenquadrado numa dessas classificações, obrigatoriamente terá que atendera uma regra especial que tem que ser analisada também pela CET.
Essas especificações continuam atuais, já que ocenário da construção mudou radicalmente nos últimos anos?
Continuam sim! Não se trata de um procedimentoburocrático. A CET exige obras e, eventualmente, a instalação de algunsequipamentos que mitigam o impacto do empreendimento. Vou lhe dar umexemplo: quando há grandes empreendimentos numa via de muitamovimentação, a CET normalmente exige uma pista de desaceleração,marginal àquela primeira via, onde tem que se entrar antes de chegar aoempreendimento. Assim, não se corre o risco de formar fila na própriaavenida.
Mas isso demanda muito tempo. A iniciativaprivada propôs uma ação conjunta à CET para modernizar e acelerar osprocedimentos de aprovação de projetos. Em que pé está esse projeto?
Aproximadamente dez empresas aderiram ao custo desseprojeto, e com isso pudemos contratar consultorias para estudar osprocedimentos atuais adequados, sempre junto com os técnicos da CET.
E o que esse grupo está propondo como melhoria?
Ações muito simples: durante dois dias na semana, foiproposto um atendimento especial, com profissionais “extracarreira”,para os interessados que queiram apresentar projetos considerados pólosgeradores de tráfego. Passando por uma análise prévia, os projetoschegarão um pouco mais redondos na CET. Vamos divulgar os procedimentoshabituais de análise dos técnicos da CET, já que, muitas vezes, oempreendedor não sabe os critérios que orientam os técnicos; e elaboraruma cartilha de orientação de procedimentos. Vamos criar duas filas deatendimento: uma para empreendimentos residenciais e outra para nãoresidenciais. Assim, evitaremos que um megaempreendimento – que, pelassuas características de porte e de localização, exige uma análise muitodemorada – segure a fila e atrase um outro empreendimento residencial,que talvez nem precise de obra nenhuma. Isso vai ajudar terrivelmente oescoamento desses projetos. E vamos implantar também um sistema dehardware e software integrados entre as diversas áreas da CET, de formaque a comunicação fique mais rápida e se possa ver, a qualquer momento,onde e porque o processo está parado. Acreditamos que haverá maistransparência na medida em que se tem a informações onlinedisponibilizada no site da CET.
Isso vai custarquanto e quando começa a vigorar?
Esse projeto devecomeçar a partir de abril e custou algo em torno de R$ 700 mil. Estamosavaliando a necessidade de outro aporte de recursos para efetuação dessesistema integrado de comunicação.
A lentidão naaprovação e liberação dos projetos deve reduzir em quanto?
Hoje há processos na CET que ultrapassam os mil dias.Mas isso é um ou dois casos, que têm desafios complexos. A média é deseis meses a um ano. A redução de tempo estimada com adoção desseconjunto de ações é de aproximadamente 60%.
Há quemdefenda que, dada a escassez de terrenos e a concentração de pessoas noscentros comerciais, seja mais inteligente levar os projetos para aperiferia. Mas essa estratégia já foi levantada em outros tempos,principalmente nas décadas de 80/90, e sem muito sucesso.
Acredito que temos que pensar o contrário. A expansãohorizontal já atingiu seus limites. Chegamos ao máximo da Serra daCantareira, o limite das represas, enfim. Muitas empresas estãoprocurando outros municípios, para diversas faixas de renda, mas aí omotivo é outro. Há empresas aqui da Capital fazendo orçamentos maispopulares em Guarulhos, Santo André, São Bernardo. Mas acredito que ogrande mercado vai continuar concentrado na cidade de São Paulo.
Mas não há mais espaço.
Porisso é preciso verticalizar e criar um sistema de transporte coletivo demassa eficiente. Historicamente, o poder público está sempre atrás domercado imobiliário. Recentemente foram entregues duas linhas de metrôno Ipiranga, e o mercado imobiliário já estava lá. Na zona Sul de SãoPaulo há muitas indústrias que estavam sem uso, foram compradas pelomercado imobiliário. O pessoal está fazendo orçamento em áreas enormes,essa região vai mudar de perfil, e o poder público vai ter que, dealguma maneira, se adequar.
E se o poder público nãofaz, há iniciativas privadas que, a exemplo da parceria com a CET, estãoauxiliando nas obras de infra-estrutura para viabilizar projetos?
Não. O grande instrumento de parceria são as operaçõesurbanas, que funcionam assim: como os recursos orçamentários daprefeitura não dão conta do que é necessário fazer, vamos, depois de umaanálise urbanística adequada, flexibilizar a legislação desde que ointeressado pague por isso. Foi criada uma legislação mais específica,para uma área específica; a prefeitura vende o potencial construtivoadicional, o empreendedor paga por isso e esse recurso entra num caixaespecial que promove os investimentos em novas obras nessa região. OPlano Diretor também criou um fundo municipal de urbanização. Como hoje,para sair do coeficiente máximo, o empreendedor paga, todo esse recursovai para o fundo municipal de urbanização. A prefeitura pode utilizaresse recurso para diversos tipos de obra. E tem feito isso emimplementação de parques lineais, de obras de infra-estrutura emParaisópolis, por exemplo. É um sistema de parceria que dá certo. E omundo todo está fazendo assim.
Por Mirian Blanco -Construção Mercado 80 – março 2008