Dicotomias insistem em marcar a atualidade. Tudo em dois lados, como se não houvesse caminho do meio, espaço para temperança. E isso está não apenas nas discussões de natureza política, mas em temas como as relações comerciais do Brasil com o mundo.
Desde que superamos a pré-história e passamos à história, o desenvolvimento da humanidade sempre dependeu de liderança e organização. Sobre estes vetores, que propiciaram e continuam a propiciar a evolução do mundo civilizado, se apoiam os poderes hegemônicos.
Vários se sucederam. O Egito antigo, estabelecido por volta de 3100 a.C., foi um deles, favorecido pelas terras férteis localizadas às margens do rio Nilo. Embora baseada na agricultura, sua economia já contava também com atividades industriais (cerâmicas, mineração e têxteis), cujos produtos eram comercializados Mediterrâneo afora. Após 30 dinastias, a morte de Cleópatra (30 a.C) marca o fim do milenar império egípcio.
O próximo salto civilizatório aconteceu sob a égide dos romanos (753 a.C. a 476 d.C), cuja dominação estendeu-se do Rio Reno ao Egito, alcançando Grã-Bretanha e Ásia Menor. Estabeleceu conexão entre Europa, Ásia e África. Deixou legados ainda utilizados em áreas como direito, medicina, engenharia, arquitetura, infraestrutura, planejamento urbano. Ainda hoje é possível transitar seguramente pela Via Ápia, cuja construção começou em 312 a.C., totalizando 600 km de extensão.
Outro grande avanço ocorreu durante a hegemonia do Império Britânico (do século XVII ao início do século XX), cujo apogeu ocorreu entre 1815 e 1914, período chamado por historiadores como “século imperial britânico”. Foi decisivo para enormes avanços da humanidade. Revolução industrial e capitalismo estão entre as heranças deixadas, assim como um sistema legal que, em tempos em que a regra era o absolutismo, assegurou direitos aos cidadãos. E cabe indagar: não fosse a ótima relação Portugal/Inglaterra, a proclamação de nossa independência teria demorado mais para acontecer? Adicione-se que o Brasil, durante o século XIX, se alinhou ao poder hegemônico da época.
Aí, vem a força hegemônica norte-americana, que se inicia na 1ª Guerra (graças ao crescente poderio econômico-militar), afirmando-se após a 2ª Guerra Mundial, concomitante ao relativo enfraquecimento das potências europeias. Sua economia se expandiu internacionalmente. O país, que exerceu competentemente o ‘soft power’, ditou a política no Ocidente.
Em 1944, com a Conferência de Bretton Woods, cujo objetivo foi promover a cooperação internacional por intermédio das instituições monetárias (e da qual resultou o Fundo Monetário Internacional/FMI), o dólar passou a ser a principal moeda de reserva mundial, abandonando-se o padrão-ouro. Houve a expansão dos bancos e foi intensa a participação das transnacionais norte-americanas no exterior, em especial na Europa e em alguns países em desenvolvimento, a exemplo do Brasil e do México.
Agora, vemos a China candidatando-se ao posto. Após período de total hermetismo, o país resolveu dialogar com o mundo. Com a típica paciência oriental, está cuidando do processo, priorizando o desenvolvimento econômico interno. Marc Chandler, estrategista-chefe de mercado da Bannockburn Global Forex, afirmou que “o centro da economia mundial está mudando do Atlântico Norte, onde está há 500 anos, para o Pacífico. Os mercados de câmbio vão refletir isso com o tempo”.
Impossível prever se a China terá sucesso ao deslocar os EUA e se tornar a nova força hegemônica, Porém, que essa disputa merece atenção, ninguém duvida.
Mas o que o Brasil tem a ver com isso? Tudo e um pouco mais. Estamos diante de dois parceiros comerciais de máximo interesse. Parceiros que investem e que, mesmo em tempos de crise, estão de olho em nosso formidável mercado consumidor e nas oportunidades a serem exploradas.
Por questões internas, os EUA recuaram um pouco em relação ao Brasil. Aliás, também por questões nossas, como custo-Brasil, instabilidade política e insegurança jurídica. A China, por sua vez, continuou se aproximando, a ponto de, em 2009, ser considerada a maior parceira comercial brasileira, posto que dificilmente irá perder nos próximos anos. Segundo dados do Ministério das Relações Exteriores, entre 2003 e 2019 os chineses colocaram por aqui US$ 72 bilhões, ou 37,3% do total investido por estrangeiros, contribuindo substancialmente na Formação Bruta de Capital Fixo.
Todavia, 2020 foi marcado por incertezas, por estremecimentos de relações, agudizados em função da pandemia e da sinalização de uma tentativa de alinhamento ainda maior da política externa brasileira com os Estados Unidos.
Mas, será que precisamos escolher entre EUA e China? Precisamos é de recursos para reerguer nossa combalida economia. Estratégico é compor de forma inteligente com os dois países. Cada dólar ou renminbi/yuan é bem-vindo. Cada indústria, ferrovia ou porto que se viabilize com esses investimentos gera crescimento nacional, inclusive estimulando o setor imobiliário, que naturalmente se move com o progresso.
Optar entre um e outro é dilema desnecessário. Fiquemos com os dois.
Basilio Jafet, presidente do Secovi-SP – Artigo publicado no jornal O Estado de S.Paulo (p. A2), do dia 29/6