Moradia digna é direito que deve alcançar todas as famílias, da menor à mais alta renda. O grande desafio da sociedade é trabalhar pelo equilíbrio da oferta de unidades para todos os segmentos, o que o setor imobiliário tenta fazer, enfrentando um arcabouço legal inadequado, com legislações urbanas e ambientais restritivas e descoladas da realidade das pessoas que precisam morar com o mínimo de segurança e conforto.
Na capital paulista, o mercado tem se empenhado em dosar a produção e a venda de unidades residenciais para atender as pessoas. Nos últimos anos, incluindo 2022, marcado por grandes desafios, isso tem sido feito de maneira satisfatória: 50% das moradias foram direcionadas ao segmento de interesse social, graças a programas governamentais voltados às famílias mais vulneráveis. Mas é preciso fazer mais, pois a baixa renda responde pelo enorme déficit habitacional.
O que acontece na Capital nos leva a ponderar o que impede que a mesma busca por equilíbrio ocorra em outras localidades. Será que se as leis ambientais e urbanas priorizassem o ser humano teríamos a sucessão de tragédias anualmente registradas em época de chuvas intensas? Será que teríamos de continuar testemunhando episódios devastadores como os recentemente ocorridos no Litoral Norte do Estado?
Esta é uma reflexão a ser feita pelo conjunto da sociedade, que não mais pode aceitar esse estado de coisas.
Mercado em 2022
O ano passado começou sinalizando que a sociedade e o setor produtivo teriam pela frente grandes desafios a superar. Sem dúvida, foi um ano de muita instabilidade, mas os números finais foram positivos, inclusive no que diz respeito ao setor imobiliário.
Um conjunto de fatores autorizava a apostar em sensível queda no volume de lançamentos e vendas de imóveis. Porém, conforme o Balanço do Mercado Imobiliário, elaborado pelo departamento de Economia e Estatística do Secovi-SP, com base em pesquisa com incorporadoras associadas, a produção habitacional encerrou 2022 com estabilidade.
Boa parte desse resultado é atribuída ao comportamento da economia. O crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), cuja previsão no início do ano era de incremento de 0,5%, deve alcançar, no fechamento oficial, aumento de 3,1%. Também a recuperação do emprego – que traz confiança ao comprador para assumir financiamento imobiliário -, IPCA sem altas significativas e redução nos custos – o Índice Nacional de Custos da Construção (INCC) caiu de 13,9%, em 2021, para 9,3%, em 2022 -, ajudaram na manutenção dos índices de atividade do setor.
VGV, vendas e lançamentos
Um dos principais indicadores do mercado, o VGV (Valor Global de Vendas) cresceu 0,4% na comparação com 2021. Em 12 meses, foram movimentados na capital paulista R$ 33,7 bilhões.
De janeiro a dezembro, foram vendidas na cidade de São Paulo 69.340 unidades residenciais. Já o volume de lançamentos totalizou 75.692 unidades, o que significou queda de 4,2%, para outros mercados, e de 11,8% no segmento de habitações econômicas.
Essa queda foi influenciada, dentre outros fatores, pela da legislação urbana restritiva da cidade de São Paulo, a qual impede que o setor possa atender adequadamente a grande demanda por moradias na cidade.
Especificamente no que diz respeito às habitações voltadas à baixa renda, a inflação de custos, que atingiu as economias mundiais, provocou o encarecimento dos imóveis, com o que algumas famílias foram desenquadradas do programa federal Casa Verde e Amarela. Com a adoção de rápidas medidas para atualização dos limites de valor, houve novo reforço aos lançamentos direcionados às faixas de menor renda.
A necessidade de unificação de regras urbanísticas
Levantamento do Secovi-SP em 31 cidades do interior também revelou um mercado pujante, porém, igualmente contido em função de leis elitistas, o que mostra que a existência de uma legislação comum em âmbito estadual, ao menos no que se refere à Região Metropolitana de São Paulo, seria providencial.
Essa região está totalmente conectada. Cada vez mais, é difícil saber onde termina a Capital e começam os demais municípios de entorno. É o típico fenômeno da conurbação, que ocorre quando duas ou mais cidades limítrofes expandem-se ao ponto de encontrarem-se, compondo um único núcleo urbano. Regras comuns seriam básicas para que o setor pudesse atender as demandas por moradia, principalmente as de interesse social, de forma mais integrada, ágil e efetiva.
Financiamento imobiliário a taxas negativas
Conforme dados da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), embora as operações de crédito tenham caído 13% em valores e 18% em número de unidades, 2022 foi o segundo melhor ano do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE). Foram R$ 179 bilhões de empréstimos para aquisição e construção e 713 mil unidades financiadas.
Importante destacar que, diante da Selic, as taxas de juros dos financiamentos habitacionais são negativas. Isso é um benefício ao comprador e uma vantagem ao investidor que pretende obter rentabilidade com a locação. Além disso, cabe considerar a valorização do imóvel no tempo e nos espaço. Em 2022, com base em laudo de avaliação, o preço do imóvel em valor real cresceu quase 21%.
Perspectivas para 2023
Embora a conexão direta com o ambiente macroeconômico, especialmente o comportamento da taxa Selic e da inflação, a demanda por imóveis é consistente, razão pela qual o mercado aposta em estabilidade.
Acreditamos que, em âmbito municipal, e dependendo do cenário econômico e de ajustes em legislações urbanas, lançamentos e vendas de unidades podem oscilar em 5% para mais ou para menos em 2023.
No que diz respeito às unidades econômicas, a reformulação do programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV), contemplada na Medida Provisória nº 1.162/2023, poderá gerar impacto positivo. De acordo com o governo federal, a intenção é contratar 2 milhões de obras até 2026. Entre as novidades estão o retorno da faixa 1 do MCMV, voltada para famílias com renda bruta de até R$ 2.640, e a adoção da locação social.
Estamos contribuindo com sugestões de aprimoramentos, mas, sem dúvida, a iniciativa foi bem-recebida pelo mercado, uma vez que, para nós, tudo o que vem para facilitar o acesso à moradia digna merece ser apoiado pela sociedade.
Foco na solução
Se a sociedade decidir evitar novas tragédias humanas é hora de focar na solução. E ela existe, como mostra o que foi feito nas encostas da Serra do Mar. Entre 2008 e 2012, 5,3 mil famílias foram removidas para conjuntos habitacionais. Outras 1,9 mil permaneceram em áreas urbanizadas. Cubatão nunca mais teve desmoronamentos e 900 mil m2 que antes perigosamente habitados foram destinados à regeneração da Mata Atlântica. O Ministério Público entendeu que esse era o caminho para preservar floresta e vidas humanas.
A ideia era estender o modelo ao Litoral Norte, para remoção de 25 mil famílias, mas isso nunca aconteceu e o processo de ocupação inadequada continuou.
Nas mãos do Ministério Público reside boa parte da solução. A legislação ambiental pode ser responsavelmente adaptada às necessidades de habitação, saneamento (contamos, hoje, com marco legal para isso) e infraestrutura básica. As legislações urbanísticas devem se ajustar para que a demanda por habitações de interesse social seja atendida, valendo-se de programas governamentais, como o Minha Casa, Minha Vida, cujos recursos podem ser efetivamente aplicados em parceria com prefeituras. Legislações exageradamente restritivas produzem o efeito contrário, porque as habitações ilegais surgem e o Estado, assim como o Ministério Público, não conseguem combater.
Temos de enfrentar os efeitos que ocupações irregulares em áreas de risco acarretam para a coletividade. É por meio da produção formal de moradias e do equilíbrio na produção para todas as faixas de renda que daremos início ao processo que poderá, definitivamente, impedir que as águas continuem levando vidas.