Fabio Villas Bôas foi responsável por coordenar a revisão da Norma de Desempenho de Edificações (ABNT 15.575), um processo que envolveu seis grupos de trabalho, com até 40 participantes cada, e quase 5.000 sugestões de diversos atores da cadeia produtiva. Na entrevista a seguir, ele explica que o mercado, em sua maioria, está preparado para atender aos novos padrões de qualidade que entraram em vigor em 19/7/2013, baseado em critérios de desempenho de cada um dos diferentes sistemas construtivos de um edifício ou de uma casa. “Estamos discutindo esse tema há 13 anos”, afirma.

Como será a adaptação das empresas da construção civil à Norma de Desempenho de Edificações?

Depende de cada caso. Para as empresas que já cumpriam as normas prescritivas já existentes, muito pouco. O que a Norma de Desempenho faz é consolidar o entendimento das outras normas prescritivas, com uma nova visão. Para quem cumpria as normas corretamente, as mudanças serão muito pouco significativas, talvez alguns ajustes nos sistemas de proteção acústica ou térmica, mas muito pouco. Agora, as empresas que não cumpriam as normas técnicas anteriores provavelmente vão ter que mudar muitas coisas em seus procedimentos para se adequar. Esta nova regra baseada no desempenho complementa as anteriores, chamadas prescritivas. Até porque duas normas não podem entrar em conflito. A vantagem da ABNT 15.575 é que ela, ao contrário das regras prescritivas, não é uma receita de bolo, ela apenas determina o resultado que deve ser alcançado. O edifício tem que gerar conforto, ser resistente, garantir a estanqueidade e uma série de outras exigências. Outra vantagem é que ela abre a possibilidade de inovação. Sistemas como drywall e de estruturas metálicas não possuíam normas prescritivas até poucos anos atrás. Agora, qualquer sistema, de qualquer tipo, será regulado pelos novos critérios de desempenho.

Haverá dificuldade técnica para as empresas cumprirem as exigências?

Na maioria dos casos, acredito que não. Quem fizer o arroz com feijão da construção civil não vai precisar mudar sua forma de trabalho. A maioria dos ensaios necessários para saber se os sistemas construtivos atendem às exigências da Norma de Desempenho já estão sendo feitos pelas empresas e pelos laboratórios de certificação. As soluções estarão disponíveis para o mercado.

Como o senhor acredita que esses conceitos de desempenho serão absorvidos pelo mercado? Isso vai acontecer rápido ou pode demorar?

Iniciativas como o Guia Orientativo da CBIC são muito importantes porque traduzem as especificidades da ABNT 15.575, que às vezes possui uma linguagem muito jurídica. Certamente a essa se seguirão ainda outras publicações aprofundando ainda mais esse entendimento. Um usuário não-especializado vai ter dificuldades de entender tudo, mas a Norma permite que um engenheiro produza laudos facilmente. Todas as especificações necessárias para uma análise técnica estão lá: o que tem que atender, como se calcula a resistência, as variações admitidas etc. As normas prescritivas anteriores são mais áridas do que esta. Ela é mais objetiva, possui parâmetros, será mais fácil de interpretar. As empresas vêm discutindo esses parâmetros há 13 anos, a primeira discussão sobre isso surgiu em 2000. Acredito que esse documento vai facilitar o cumprimento das outras normas prescritivas.

A entrada em vigor da Norma muda alguma coisa na relação entre fabricantes de materiais, projetistas, construtoras e consumidores?

A grande diferença é a segmentação das responsabilidades. Na maioria das vezes, os conflitos surgem quando aparece algum problema depois de terminada a obra, quando o morador detecta alguma falha na construção. Se ele entrasse na Justiça, até que se determinasse se o problema surgiu na fase de cálculo ou na fase de execução havia uma longa discussão. Agora, com os sistemas todos documentados, o morador pode contratar um perito que vai verificar se os cálculos atendiam às exigências da Norma de Desempenho. Será possível saber de quem é a responsabilidade pelo problema. Toda a cadeia produtiva da construção civil tem as suas responsabilidades definidas, inclusive as do comprador. Ele tem que receber um manual de uso, onde estarão listadas as medidas de operação, manutenção e prevenção de sua casa ou apartamento. Na Norma, está especificado o peso que um forro deve aguentar sem ceder ou apresentar falhas, como esse peso deve ser medido, etc. Então se um morador pendurar no teto um objeto mais pesado que o especificado, vai acontecer um problema. Se ele joga água em uma cobertura de madeira, isso vai afetar as condições de impermeabilidade. Se o arquiteto cometer um erro, isso vai estar documentado no projeto. Caso as condições térmicas de um apartamento não estiverem de acordo com o que diz a Norma, pode-se verificar se o bloco da parede que está no projeto é o correto para aquela zona bioclimática.

Por que essa Norma vai ajudar o mercado a se desenvolver?

Ela vai beneficiar a boa concorrência. Quanto mais regulado é um mercado, melhor a concorrência. Isso de maneira geral, não só para a construção civil. Um mercado onde as empresas competem em condições desiguais é ruim para todo mundo: para as empresas, que vivem em um ambiente de insegurança, e para os consumidores, que ficam expostos a produtos de qualidade incerta. Todos ganham com esse tipo de regulamentação. A Norma de Desempenho faz com que a competição seja a mais igual e transparente possível.

Fonte: CBIC