A vaga de garagem está cada vez mais espaçosa e dispendiosa na cidade. Com o crescimento gradativo da frota de veículos particulares e a proibição do aluguel e venda de vagas para terceiros, o preço do metro quadrado médio de um imóvel com garagem chega a ser 23% mais alto. Os dados são do Panorama do Mercado Imobiliário 2012, estudo desenvolvido pelo Sindicato da Habitação do Rio (Secovi-Rio). A pesquisa abrange imóveis de um e dois quartos em seis bairros: Botafogo (23%); Tijuca (12,6%); Méier (12,5%); Flamengo (12,1%); Copacabana (10,3%); e Laranjeiras (9,2%). Isto significa que, se um apartamento de dois quartos sem garagem em Botafogo custa em média R$ 600 mil, com garagem, este valor passará para R$ 738 mil.

— Alguns bairros do Rio, como Botafogo e Copacabana, sofrem com a falta de espaço para estacionar. Isso encarece o preço do imóvel. Já as regiões que possuem fácil acesso às vagas contribuem para desvalorização do preço do bem — explica o vice-presidente do Secovi Rio, Leonardo Schneider.

E o automóvel, pode-se dizer, “vive” mais confortavelmente que seu proprietário. É o que aponta pesquisa sobre a relação entre o espaço destinado aos automóveis e a área total construídas das edificações residenciais e comerciais em São Paulo, desde a década de 1920. Os autores do estudo, feito com base em dados de órgãos como a Empresa Brasileira de Estudos do Patrimônio (Embraesp) são os professores de engenharia da Escola Politécnica de São Paulo (Poli/USP) Claudio Tavares de Alencar e Wanderley Moacyr John, e o diretor de sustentabilidade do Secovi São Paulo, Hamilton França Leite Jr. (disponível no site www.hamiltonleite.com.br/LARES2011.pdf). Mas no Rio a situação é bem semelhante.

De acordo com o Decreto n° 10.426, de 06 de setembro de 1991, que regulamenta as dimensões dos compartimentos das edificações no Rio de Janeiro, a vaga de automóvel num empreendimento residencial deve ter uma área mínima de 12,5 metros quadrados, enquanto um quarto para um casal, atualmente, mal alcança oito metros quadrados.

Até com a área mínima de construção exigida pela legislação, o carro sai ganhando, pois para calcular a área de garagem é preciso considerar o valor de 25 metros quadrados por vaga, que inclui o espaço para manobra e circulação, enquanto para um apartamento de dois quartos a exigência é de uma área mínima de 36 metros quadrados. Ou seja: o carro representa quase 70% da área habitável. Se o casal possuir dois carros, isso significaria 50 metros quadrados da construção da garagem para seus veículos, ou seja, uma área 37% superior ao do apartamento.

— É preciso refletir sobre a legislação: enquanto a de São Francisco, Nova York e Londres aponta para o número máximo de vagas, aqui se exige o mínimo. Acompanhar essa evolução é instrumento importante para o poder público desestimular ou limitar a quantidade de vagas — explica Hamilton França Leite Jr.

Em São Paulo, área da garagem cresceu 25% entre 2002 e 2010

De acordo com o estudo de São Paulo, até os anos 1930 praticamente não havia espaço destinado para estacionamento de automóveis em edifícios da cidade. Com o aumento da frota de veículos e da população na capital paulistana, os prédios passam a apresentar uma proporção de 6,5% de área de vagas de garagem em relação à área total construída. Esse indicador salta para 13% nos anos 1960 e atinge 29,59%, em 2001, chegando ao patamar de 25% entre os anos de 2002 e 2010. A manutenção do crescimento da área para estacionamento na mesma proporção registrada entre 2002 e 2010 representaria uma diferença de aproximadamente 600 mil metros quadrados de área para automóveis que poderiam deixar de ser construídas.

Um dos cenários aponta para o crescimento proporcional das garagens em relação à área privativa total dos edifícios alcançando em 2020 a marca de 58,69%. Para ilustrar este caso, haveria 58,69 metros quadrados de garagens para um apartamento de 100 metros quadrados.

— Esta situação seria bem desagradável, pois os custos dos imóveis aumentariam devido à área adicional que precisaria ser construída para as garagens, e o trânsito ficaria ainda mais caótico, com toda a sua herança nefasta para a economia nacional, para a saúde e qualidade de vida da população — destaca o diretor de Sustentabilidade do Secovi-SP.

Excesso de vagas no Distrito Federal

As professoras da Universidade de Brasília (UnB) Monica Gondim e Gabriela Tenório também estão desenvolvendo com alunos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo uma série de pesquisas sobre o automóvel na cidade. Um dos estudos que foi realizado com 30 Regiões Administrativas (RAs) do Distrito Federal, mostrou que metade das RAs analisadas apresentava carência de vagas de garagem domiciliares e a outra metade, excesso.

—  As RAs de maior poder aquisitivo oferecem maior número de vagas por domicílio mas, em contrapartida, são estas que apresentam maior número de veículos e uma maior carência de espaço para estacionamento — explica a professora Mônica.

Constatando a presença excessiva de vagas de garagem ociosas nas RAs de menor renda do Distrito Federal, as professoras compararam a área média dos domicílios destinada a cada morador com a área destinada à vaga de estacionamento. E o resultado mostrou que em 14 RAs, a área construída destinada ao morador é inferior à oferecida ao automóvel.

— O excesso de vagas domiciliares em áreas de menor poder aquisitivo pode, por um lado, significar que os espaços de garagem estão sendo utilizados para outros fins; por outro, não se descarta a possibilidade de serem áreas ociosas representando desperdício de espaço, recursos materiais e financeiros. Considere-se que a oferta de vagas nos lançamentos residenciais, em setores onde a posse de veículo é baixa, onera o custo da construção, anexando uma área de garagem apoiada na criação de uma expectativa no morador de um dia ser proprietário de um automóvel — comenta a professora Gabriela Tenório.

Numa segunda pesquisa, as professoras procuraram avaliar se a crítica constantemente feita à Brasília, considerada uma cidade desenhada para o automóvel, tinha, ao longo dos seus 50 anos de história, resultado em projetos menos incentivadores ao uso do carro particular. E o resultado foi surpreendente.

A pesquisa comparou a oferta de vagas públicas e privativas residenciais e comerciais com relação à metragem construída, nos bairros originais, Asa Sul e Norte, com os bairros mais recentes. Para surpresa das pesquisadoras, o Noroeste, tido como um modelo de bairro sustentável, apresenta o dobro da oferta de vagas residenciais e cinco vezes mais vagas comerciais do que os bairros antigos, relata Gabriela Tenório.

As pesquisadoras lembram que o planejamento em diversas cidades do mundo tem procurado restringir o uso do automóvel, proibindo sua circulação ou cobrando caro para estacionar. As medidas, geralmente, dizem, são acompanhadas pela melhoria do transporte público.

— Os urbanistas defendem a redução dos automóveis na via pública, mas há praticamente duas correntes. Uma que defende a redução da vaga privativa para reduzir o estímulo à compra de automóvel. Outra entende que a falta de vaga, aliada à precariedade do transporte público, não desestimula a compra do veículo particular e ainda faz com que ele seja estacionado na rua, reduzindo sua capacidade e comprometendo o trânsito — considera Monica.

Diante disso, o melhor, por enquanto, é ir de bicicleta ou táxi.

Fonte: O Globo, 18/4/2013