Presidente do Secovi-SP, Rodrigo Luna, fala sobre o tema em coluna publicada no Estadão Imóveis
Sempre digo que imóvel de aluguel também é solução de habitação. Embora a casa própria esteja dentre as maiores aspirações dos brasileiros, muitos fatores fazem da locação uma alternativa.
É opção àqueles que, por algum motivo, não conseguem acessar adequadamente o financiamento ou para aqueles, que por questões pessoais ou pelo momento de vida, preferem adiar a compra de seu imóvel para outro momento.
Para estes e outros casos, o importante é que exista oferta. Mas isso nem sempre foi assim. Houve tempos em que conseguir alugar uma moradia era como ganhar na loteria. Filas de espera por unidades eram comuns quando a legislação que regulava a locação residencial era hermética e desigual. O proprietário que alugava tinha enormes dificuldades em recuperar seu imóvel, mesmo em caso de inadimplência do inquilino. Na prática, era como seu direito constitucional de propriedade fosse relativizado.
Protecionista ao extremo pelo lado do inquilino, a Lei do Inquilinato de 32 anos atrás desestimulava a oferta de casas e apartamentos para alugar. Os proprietários, embora em sua maioria tivessem no aluguel importante fonte de renda para sua sobrevivência, preferiam manter os imóveis fechados a enfrentar o risco de não poder agir em caso de inadimplemento ou tê-los para uso próprio, de descendentes ou ascendentes em casos de necessidade.
As palavras de ordem eram congelar, impedir, proibir e tributar excessivamente as pessoas que alugavam. Com oferta escassa, naturalmente os preços dos aluguéis eram elevados, o que fez crescer a coabitação, os cortiços e as favelas.
O que mudou
Diante dessa insustentável situação, articulação da sociedade civil organizada, com destaque à atuação do Movimento dos Inquilinos Intranquilos e de entidades de classe como o Secovi-SP, fez aprovar a lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991, que trouxe maior equilíbrio na relação locadores e locatários. Foi uma demanda popular, acertadamente viabilizada pelos legisladores.
De lá para cá, tudo mudou. Milhares de unidades foram produzidas com este objetivo. Com isso, os preços diminuíram, assim como as filas de candidatos a inquilinos. Mais do que isso: voltaram os investimentos em imóveis para locação.
Posteriormente, trazendo a modernização exigida depois de 18 anos de sua vigência, o diploma legal foi aperfeiçoado pela chamada Nova Lei do Inquilinato, nº 12.112/2000, aprimorando a regulação das relações entre locador, locatário e fiador, especialmente no segmento de imóveis residenciais. Destaca-se aqui a liberdade da convenção contratual entre as partes no que tange a preços, prazos e regras estabelecidas.
A nova lei tornou mais ágil a recuperação do imóvel em caso de inadimplemento do inquilino. O tempo médio, que era de 12 a 14 meses, caiu praticamente pela metade, o que também premiou os bons pagadores, que são a maciça maioria dos locatários.
Houve uma simplificação do processo judicial. E o fiador também foi beneficiado ao poder pagar um número menor de meses atrasados quando o locatário fosse despejado. Além disso, o fiador conquistou maior autonomia no caso de precisar se desonerar de suas obrigações. Em caso de problema financeiro, adquiriu condições de comunicar formalmente sua decisão ao proprietário e ao inquilino e, 30 dias depois, tornar-se livre do contrato, podendo o inquilino, por sua vez, ter o mesmo prazo para indicar um novo fiador.
E, ainda pela nova lei, o locador passou a poder entrar com a ação de despejo contra o inquilino e o fiador simultaneamente. Até então, ela era expedida contra o inquilino primeiro e, só quando este perdia o processo, era enviada ao fiador.
Obviamente, nas contratações tradicionais, a ação de despejo continua dependendo do judiciário. O prazo de desocupação do imóvel é de 30 dias, mas o mandado costuma levar em média seis meses para ser expedido pelo juiz.
Três décadas funcionando, e muito bem
Conforme o advogado e ex-procurador do Estado de São Paulo Jaques Bushatsky, membro Conselho Jurídico da Presidência do Secovi-SP, pró-reitor da Universidade Secovi e especialista nas áreas de condomínio e locação, a atual Lei do Inquilinato, além de ter conseguido retratar com êxito o querer social, organizou de forma tão eficiente o mercado que não se compreendem as tentativas de voltar atrás.
Isto porque, volta e meia, surgem projetos inexplicáveis para alterar a legislação em vigor, na maioria das vezes buscando reintroduzir o desequilíbrio entre as partes.
Felizmente, isso não tem prosperado. Até porque é um retrocesso que não conversa com a realidade e menos ainda com as novas modalidades de locação que estão à disposição das pessoas. O avanço das plataformas digitais nesse mercado é admirável. Surgem formas diferentes, como a locação de curta temporada, que respeita os interesses dos inquilinos.
E os investimentos em empreendimentos exclusivos para locação cada vez mais ganham a cena. É o caso do multifamily, que se firma como tendência no mercado imobiliário brasileiro e que funciona muito bem há mais de 100 anos nos Estados Unidos.
Conceitualmente, multifamily é uma estrutura de habitação exclusivamente destinadas ao aluguel, desde a fase do projeto até a operação condominial. Os empreendimentos pertencem em geral a uma única empresa (ou fundo de investimento) que administra e faz a gestão das locações dos apartamentos, responsabilizando-se pela oferta de serviços e infraestrutura para otimização e melhor praticidade do espaço residencial. Os moradores, por sua vez, são todos inquilinos, convivendo com isonomia.
O modelo tem chamado a atenção daqueles que passam a conhecer as vantagens de alugar um imóvel residencial sem as preocupações do processo tradicional. E, em função do caráter volátil do mercado financeiro, aportar recursos no setor de multifamily é chance de obter retornos bastante atrativos.
Independentemente dos tipos de locação, tradicionais ou disruptivas, o que realmente importa é que exista oferta. Uma oferta plural, convergente com os desejos das famílias e das pessoas. Enfim, uma oferta consistente para garantir o direito de morar onde se quer viver, e a preços acessíveis.