Flavio Amary

Deflagrado um processo para discutir o aumento de tarifa de transporte, que já havia sido postergado para segurar a inflação crescente no país, o Movimento Passe Livre acabou sendo usado para mobilizar a sociedade como nunca visto antes no Brasil. Na maior parte das capitais e grandes cidades, a demanda foi atendida, revertendo o aumento e em alguns casos até mesmo diminuindo o valor inicial. Entretanto, como já poderíamos esperar, a mobilização não somente continua, como parece aumentar.

Na primavera árabe, que começou no final de 2010, um feirante tunisiano ateou fogo no próprio corpo para chamar atenção para a liberdade de expressão e as condições de vida em seu país. Esse fato logo se espalhou pelos países norte-africanos e alguns do Oriente Médio, onde as manifestações tinham um foco: o regime ditatorial em que viviam. Na Europa, onde constatamos nos últimos anos manifestações grandiosas, também existia uma discussão central, que era a crise econômica.

Em todos os casos, a semelhança é a forma como se está mobilizando um número cada vez maior de pessoas. Na primavera árabe e na Europa, as redes sociais, como o Facebook, com seus bilhões de usuários, se tornaram uma ferramenta de comunicação capaz de mobilizar milhões de pessoas em um dia.

Nas manifestações vistas em nosso país na história recente, como no início do período militar nos anos 60, diretas já nos anos 80, e o Fora Collor nos anos 90, a internet e as redes sociais ainda não faziam parte de nosso cotidiano, portanto a mobilização era muito dependente da imprensa tradicional.

Estamos vivendo um período histórico no Brasil. O movimento que começou com jovens que andam de ônibus tomou uma dimensão capaz de mobilizar toda a sociedade, inclusive aqueles jovens que nunca andaram de ônibus, e alguns “jovens” que participaram das manifestações históricas brasileiras, mobilizando e alertando a classe política em todos os níveis de poderes.

A população esperava que sediar a copa do mundo no Brasil e as Olimpíadas no Rio de Janeiro fosse trazer melhores condições de infraestrutura para o Brasil, mas com o início da Copa das Confederações e o que se viu e ouviu dos estádios foi que no futuro terão pouca utilização. E por outro lado pouquíssimas soluções de mobilidade urbana. Alguns sabem dos entraves legais para as obras de infraestrutura, como licenciamentos ambientais, projetos, desapropriações, licitações. Entretanto, tudo isso também foi necessário para os estádios.

Embora o nível de emprego seja recorde em nosso país e o aumento de renda seja claro, precisamos de gestão na saúde e na educação para atender o mínimo que um povo necessita. Queremos sair às ruas como em um mundo civilizado, sem o medo de ser assaltado, sequestrado ou até mesmo levar um tiro.

O brasileiro não aceita mais essa forma de viver e é preciso demonstrar de alguma forma este descontentamento. O brasileiro não aceita mais a falta de impunidade para os que já foram condenados em todas as instâncias.

Precisamos da vontade política e acredito que a pressão popular das ruas fará com que várias medidas sejam tomadas.                  
                      
Acredito que é preciso ter foco e defender temas que são importantes e unânimes em nossa sociedade, expurgando do movimento os caras-escondidas, pois quem não mostra o rosto é o baderneiro, mantendo o direito de ir e vir dos trabalhadores e das pessoas que por algum motivo não queiram participar. O movimento não pode aceitar a depredação ao patrimônio publico e privado. Espero ainda que a polícia consiga a difícil tarefa de separar os manifestantes dos baderneiros e que prenda os que estão aproveitando para saquear e depredar.

Não acredito que alguém saiba onde este manifesto pode levar, mas espero que nos leve para uma sociedade melhor, com mais saúde, mais educação, mais respeito aos cidadãos, e principalmente mais segurança, pois o brasileiro merece a alegria do futebol, mas merece muito mais que o pão e circo.

* Flávio Amary é vice-presidente do Interior do Secovi-SP (Sindicato da Habitação)