Países que estruturaram seus modelos de intermediação
com base em MLS atuam de forma mais profissional e 
organizada. 

O mercado imobiliário brasileiro está reagindo e, conforme indicam especialistas, é o momento  ideal aproveitar a onda do setor. Cumpre, entretanto, um alerta: embora muitos negócios se iniciem dentro das imobiliárias, a grande parte deles é concluída fora delas. Ou seja, ainda que a conclusão do negócio se dê sem a participação do corretor, em algum momento do processo, mão de obra especializada foi requerida.

Para Ricardo Paixão Barbosa, vice-presidente da RIS (Rede Imobiliária Secovi), talvez seja o momento de pensar em um novo modelo de intermediação, pois o que tem sido praticado vem mostrando sinais de esgotamento e promovendo a desorganização do setor.

“Um processo desorganizado, com imóveis excessivamente pulverizados em diferentes empresas e profissionais imobiliários, empurra os clientes, sejam compradores ou vendedores, para uma cadeia ineficiente e que, em última instância, impacta na eficiência operacional das empresas que operam nesse setor. Manter-se como um intermediador na sociedade atual, em que as informações fluem sem barreiras, é um desafio”, diz o executivo.

Em um ambiente desorganizado não existe informação de qualidade, o cliente não reconhece essa cadeia e não valoriza o pagamento da corretagem, afirma Ariano Cavalcanti, conselheiro da CMI/Secovi-MG (Câmara do Mercado Imobiliário e Sindicato das Empresas do Mercado Imobiliário de Minas Gerais).

Modelos eficientes – Comparando as características de diferentes países e seus respectivos sistemas de trabalho no campo da intermediação, é possível repensar esse modelo e superar essa condição? 

Um modelo proposto, a exemplo do adotado em mercados mais maduros, é trabalhar com listas consolidadas, onde as redes imobiliárias coordenam seus esforços, cooperam entre si e competem em um ambiente mais seguro e estruturado. Essa é uma das conclusões de um projeto realizado na Fundação Dom Cabral pelo vice-presidente da Rede Imobiliária Secovi.

Essa estratégia colaborativa por meio das redes imobiliárias pode trazer benefícios operacionais concretos às empresas participantes, deixando-as mais resistentes para enfrentar o cenário econômico, político e tecnológico. “Mais especificamente, defendemos que, ao adotar esse modelo cooperativo, dois indicadores tendem a ser direta e positivamente impactados. Eles situam-se nas duas partes de um negócio imobiliário: o comprador e o vendedor. Sob a perspectiva do vendedor, o indicador é a eficiência na comercialização do banco de imóveis da empresa. E, para o comprador, é a taxa de conversão de clientes interessados em comprar ou alugar um imóvel”, explica o executivo.

Para entender como funcionam os modelos maduros de comercialização de imóveis em outros países, é preciso compreender o conceito MLS (Multiple Listing Service). Trata-se de sistema eletrônico de cadastramento de imóveis, ao qual tanto compradores quanto corretores têm acesso.  O propósito de um MLS é ajudar os profissionais do mercado imobiliário a vender imóveis de maneira mais eficiente. Isso porque, a ferramenta oferece às imobiliárias e aos corretores a possibilidade de fazer negócios otimizando tempo, energia e custos, já que as informações comerciais são compartilhadas com parceiros do sistema MLS. Assim, todos cooperam para vender os imóveis anunciados. “Essa soma de esforços entre os corretores para divulgar e vender seus imóveis faz com que os clientes se sintam mais à vontade ao escolher um profissional imobiliário que participa desse sistema”, avalia Ricardo Paixão.

Os sistemas MLS têm obtido sucesso por quatro motivos: Acessibilidade às informações de mercado; Obrigação contratual, já que há uma promessa de cooperação entre os profissionais nas transações comerciais; Histórico – o MLS mantém um registro do banco de dados de imóveis comercializados há 10 anos ou mais; Cadastro unificado, que proporciona redução de custos com compra de softwares para gerenciar imóveis

Pilares do sucesso do sistema MLS

Os sistemas MLS têm obtido sucesso, basicamente, por quatro motivos:

  • Acessibilidade às informações de mercado: por ser um sistema completo, os profissionais têm ampla visibilidade das informações do mercado;
  • Obrigação contratual: há uma promessa de cooperação entre os profissionais nas transações comerciais – as comissões são divididas 50%/50% entre quem tem o imóvel e quem tem o cliente comprador. Essas divisões são negociáveis e determinadas pelos agentes envolvidos no negócio;
  •  Histórico: o MLS mantém um registro do banco de dados de imóveis comercializados há 10 anos ou mais. Assim, os usuários podem verificar tendências de preços e estimar valores atualizados para a correta avaliação de imóveis;
  • Cadastro unificado: o MLS serve como um sistema de gestão de cadastro de imóveis para as imobiliárias, o que proporciona redução de custos com compra de softwares para gerenciar seus imóveis.

Segurança – O mercado de referência no uso eficiente de redes e MLS é o norte-americano. Estados

Unidos e Canadá foram pioneiros na criação e consolidação de listas únicas de imóveis. Para que tenha eficácia, o esforço de confecção do banco de dados de uma cidade requer a participação de grande parte das empresas do mercado. Quando o adota-se esse modelo, observam-se vantagens e benefícios que o sistema dissemina, observa Ricardo Paixão. “Por existir uma lista consolidada de imóveis, é possível que os agentes imobiliários realizem avaliações mais precisas, com técnicas estatísticas baseadas em métodos comparativos ou inferenciais, que trazem mais segurança para as partes envolvidas na transação imobiliária e criam diferenciais para os profissionais”, avalia.

Ricardo Paixão, vice-presidente da Rede Imobiliária Secovi
Ricardo Paixão: retomada do mercado
é oportunidade para repensar o mode-
lo de intermediação, que está desorga-
nizado e mostra esgotamento.

A taxa de conversão de clientes compradores é maior quando há colaboração entres os agentes imobiliários, pois o comprador escolhe um corretor e costuma seguir com ele até encontrar o imóvel desejado. Isso não costuma acontecer quando os imóveis estão pulverizados em bancos de dados diversos, obrigando o interessado a buscar um número excessivo de profissionais até encontrar o que procura.

Outro efeito é a barreira à excessiva barganha de honorários (aviltamento da comissão), que faz com que a intermediação acabe sendo realizada fora do ambiente de agentes imobiliários. O mercado configurado dessa maneira impede a ação de oportunistas, dificultando os negócios realizados por falsos profissionais ou pseudocorretores.

“Com a profissão de agente imobiliário sendo respeitada e valorizada pelos compradores e vendedores, estabelece-se um círculo virtuoso, no qual o profissional busca qualificação constante, gerando um clima de confiança mútua entre os participantes da cadeia imobiliária”, emenda Ariano Cavalcante, do Secovi-MG.

Observa-se uma tendência mundial de que se busque novas maneiras de organizar o mercado de comercialização e proporcionar segurança para as partes envolvidas, principalmente por meio de empresas especializadas na intermediação de imóveis prontos. Hoje, os mercados maduros, temem o surgimento de plataformas de serviços que podem competir com as listas consolidadas.

Maturidade versus desorganização – Ao se reconhecer o esforço global de se perseguir a estruturação desse tipo de mercado, foram identificadas as características que denotam a organização ou desorganização e denunciam o grau de maturidade na comercialização de imóveis usados.

Segundo Ricardo Paixão, existem quatro características comuns identificadas em mercados desorganizados e quatro nos organizados. Vale destacar que elas se contrapõem e que as características do mercado desorganizado podem – e devem – ser desenvolvidas até se transformarem naquelas que identificam o sistema organizado. Acredita-se que o fator crítico de sucesso para solucionar o problema consiste justamente em estabelecer as características de um mercado organizado. 

A Fragmentação, facilmente observável em um mercado desorganizado, é caracterizada pela extrema falta de coordenação dos agentes imobiliários, que atuam de forma isolada e sem parceria. A falta de informação permeia a prestação de serviços na intermediação imobiliária, tornando-a confusa e predominando a desconfiança entre as partes, o que reforça a situação de desestímulo das ações colaborativas (parcerias).

Redundância de imóveis é outra característica de desestruturação e a comercialização de produtos usados tende a ser pulverizada em diversos vendedores. No caso de imóveis, quanto mais desorganizado o mercado, mais pulverizada é a sua oferta nas imobiliárias. Nesse tipo de mercado, os proprietários acreditam que, quanto mais imobiliárias ou profissionais imobiliários eles procurarem para deixar seu imóvel, maiores são as chances de comercializá-lo. Desta forma, acontecem esforços redundantes na sua comercialização e, como resultado, a empresa tem baixa velocidade de vendas de seu banco de imóveis.

Há, ainda, a redundância de interessados. Ou seja, a redundância de imóveis faz com que os produtos estejam excessivamente pulverizados no mercado, o que obriga o comprador a procurar diversas imobiliárias ou profissionais para satisfazer sua necessidade de aquisição ou locação de um imóvel. Assim, um comprador com um único desejo de compra é atendido por inúmeros corretores, que competem simultaneamente para atender à mesma necessidade. O resultado óbvio é uma baixa taxa de conversão de clientes interessados.

A quarta característica é a espiral de desconfiança mútua. Em um cenário no qual compradores e vendedores interagem com um número elevado de profissionais imobiliários, que não coordenam o trabalho e geram informações desencontradas, a desconfiança acontece mutuamente entre clientes e corretores. Clientes enxergam nos corretores pouca ‘capacidade’ para atenderem às suas necessidades, Os corretores, por sua vez, não acreditam em clientes que procuram simultaneamente um número elevado de profissionais. Essa desconfiança alimenta um efeito perverso em espiral, fomentado pelas três características anteriores.

Já no mercado organizado, o panorama é diferente, norteado por aspectos como colaboração. No modelo colaborativo, profissionais e empresas se juntam em sistemas de redes e coordenam suas ações, trocam informações entre seus participantes e fomentam parcerias entre os participantes. Em ambientes maduros e colaborativos, a redundância de imóveis começa a ser substituída por listas consolidadas de imóveis (MLS), que organizam os esforços que as imobiliárias e os profissionais imobiliários depreendem e aumentam as chances de comercialização e a velocidade da venda.

A escolha consciente do profissional é fundamental. Existindo uma lista consolidada de imóveis, os compradores sentem-se seguros em ser representados por um só ou poucos corretores, ao contrário da situação de redundância de interessados. A segurança dá a percepção de proteção a riscos ou perdas.

A última característica transforma a desconfiança mútua em um círculo de confiança mútua, com a profissão respeitada e profissionais mais motivados. A confiança mútua fortalece o relacionamento entre as partes.

O resultado do novo modelo seria passar de um mercado fragmentado para colaborativo; de redundância de imóveis para listas consolidadas; de redundância de procura para escolha consciente do profissional; e, finalmente, de um cliente desconfiado para a confiança mútua.

Reportagem de Jaqueline Catena publicada na edição nº 289 da Revista Secovi-SP. É permitida a reprodução deste conteúdo, desde que citada a fonte.