O Minha Casa, Minha Vida (MCMV) é o maior programa brasileiro de habitação de interesse social dos últimos 40 anos. Pela escala e ambição das metas propostas desde sua primeira fase, não seria exagerado dizer que também é um dos maiores do mundo.
Em 2009, quando surgiu, o MCMV teve como meta a construção de 1 milhão de unidades habitacionais, das quais 40% direcionadas à faixa 1 (famílias com renda de até R$ 1.600), cujos recursos são totalmente provenientes do Orçamento Geral da União (OGU). Os demais 60% foram divididos entre as faixas 2 e 3, aquelas em que o mercado imobiliário opera com mais vigor. Nessas faixas, os recursos dependem pouquíssimo do OGU, pois o FGTS é quem as financia.
Para os padrões da época, os parâmetros adotados eram adequados e garantiam estabilidade e segurança às empresas, tanto que a primeira fase fluiu muito bem. As faixas de renda, os enquadramentos dos limites dos valores dos imóveis para as diversas regiões do País e os subsídios propostos atenderam às necessidades dos beneficiados pelo programa e das empresas.
O conjunto foi tão favorável que, para nossa surpresa, o setor imobiliário conseguiu atender de forma adequada a ambiciosa meta de 1 milhão de moradias em dois anos. Internamente, em conversas que tínhamos entre as entidades empresariais, chegou-se a questionar se esse volume de unidades não estaria acima da capacidade de produção do setor. Esse receio foi rapidamente dissipado pela competência e inteligência das empresas, em especial as de pequeno e médio portes, que responderam de favoravelmente ao programa e, hoje, já atendem 85% da produção de moradias do MCMV.
Em outubro de 2012, no lançamento da segunda fase, a meta passou a 2,7 milhões de unidades. O cenário, no entanto, mudara: 60% das moradias passaram a ser para a faixa 1, e os demais 30% para as faixas 2 e 3. Uma das consequências da alteração é que se passou a exigir mais do OGU. Além disso, os parâmetros do programa não foram corrigidos como se esperava, não acompanhando os custos de produção (encarecidos pela elevação da mão de obra e dos preços dos terrenos, principalmente nas regiões metropolitanas de diversos estados), a nova realidade de renda das famílias e o teto de valor dos imóveis.
Foi nesse momento que o MCMV sofreu sua primeira inflexão. Se a fase 1 foi nota 10; a segunda foi 7,5.
Há poucos dias, foi anunciada a terceira fase do programa, com a meta de 3 milhões de moradias. Houve mudanças positivas, como a criação da faixa 1,5 FGTS (famílias com renda de R$ 1.800 a R$ 2.350) e a extensão das demais faixas de renda, o que coloca mais gente dentro do programa.
É importante destacar o avanço representado pela faixa 1,5, um pleito do Secovi-SP atendido pelo Governo Federal de maneira positiva. Se houver trabalho em parceria entre as três esferas de governo – federal, estadual e municipal –, o potencial de atender a milhões de famílias Brasil afora se eleva substancialmente. Nesse sentido, a cidade de São Paulo desponta como um bom exemplo de soma de esforços republicana e suprapartidária. Juntando o MCMV, que subsidiará esta nova faixa em R$ 45 mil; o Casa Paulista (governo estadual) e o Casa Paulistana (governo municipal), que, juntos, proporcionam R$ 40 mil, o mutuário conta com subsídio de R$ 85 mil. Essa sinergia, livre de eclipses ideológicos e partidários, é um dos pilares fundamentais para que se consolide uma política de Estado.
Ainda que haja boas notícias nesta nova fase, não há como deixar de notar que algumas inadequações persistem, desmotivando muitas empresas e, por tabela, esmorecendo o programa. Como exemplo, podemos citar o tímido reajuste pretendido pelo governo nos tetos dos valores dos imóveis. Até o momento em que escrevo este artigo (início de outubro), a proposta oficial está aquém do ideal para as regiões metropolitanas. Na Região Metropolitana de São Paulo, mesmo depois de três anos de teto congelado em R$ 190 mil, o governo quer um irrisório reajuste para R$ 200 mil. Nós defendemos que esse valor suba para R$ 235 mil. Assim, mais empreendimentos são colocados para dentro do programa.
Esta elevação não tem nenhum impacto fiscal ao caixa do governo, pois não exige recursos do OGU. Isso porque os empreendimentos que passariam a ser enquadrados seriam os destinados a atender à faixa 3, cujo financiamento é pelo FGTS. O que se ouve nos escaninhos do governo é que um reajuste para R$ 235 mil seria uma espécie de salvo-conduto para as empresas começarem a encarecer deliberadamente o produto MCMV. Esse argumento não sobrevive à equação de mercado e à lógica da oferta e demanda.
Mais: fomentar a produção de moradias às faixas 2 e 3 é uma forma de o governo fazer caixa para contratar mais unidades para o faixa 1. Cinquenta por cento do valor dos imóveis retorna ao erário em forma de arrecadação de impostos. Não há nada que justifique a constante postergação de colocar o MCMV 3 para operar imediatamente. Se o que se alega é a falta de recursos do Orçamento, que ampara o faixa 1, então que se inicie pelas contratações das faixas 2 e 3, exclusivamente dependentes do FGTS, que já tem aprovisionamento de verbas para suportar o programa até 2018. É tão difícil enxergar o óbvio? Faça faixas 2 e 3, e angarie recursos para o faixa 1!
O setor de construção civil deve demitir mais de 500 mil pessoas até o fim deste ano. Indiretamente, essas demissões impactam 2 milhões de pessoas. O cenário não está amistoso para as empresas do setor. Basta mencionar os problemas de funding, a economia periclitante, a falta de confiança dos investidores e dos compradores de imóveis, entre outros, para notar que a curto e médio prazos não há perspectivas alvissareiras.
Urge que o MCMV 3 entre em operação de imediato, com parâmetros ajustados à realidade do mercado. É uma questão de sobrevivência a muitas empresas, que, lá trás, confiantes na estabilidade do programa e na continuidade dos recursos, não pouparam investimentos em tecnologia de ponta para atender à demanda que se desenhava. Hoje, infelizmente, todo esse patrimônio sofre diário sucateamento. Cada postergação do MCMV é um custo alto, representado pela perda de expertise, menos empregos e queda de investimentos.
Está mais que provado que o setor imobiliário acredita no MCMV. Um estudo encomendado à Fundação Getúlio Vargas (consulte no site do Secovi-SP) prova que o programa beneficia toda uma cadeia da economia, impactando, inclusive, não apenas em habitação, mas em diversos outros indicadores sociais, como saúde, educação e saneamento básico.
Uma política de Estado necessita de perenidade – certeza de recursos, de continuidade, de reajustes necessários, de marcos legais claros, entre outros. O MCMV nasceu com esse horizonte e inspirou a confiança de milhares de empresários em todo o País. Graças a ele, pela primeira vez, muitas empresas pequenas tiveram a oportunidade de participar de um grande projeto em nível nacional, gerando emprego, renda e riqueza.
Continuaremos na defesa de mudanças necessárias para que o MCMV tenha a musculatura necessária à produção de moradias. Para o bem do País, que tem um déficit habitacional da ordem de 6,3 milhões de domicílios, segundo números apurados pelo Ministério das Cidades e pela Fundação João Pinheiro; e das empresas do setor imobiliário.
*Celso Petrucci é economista-chefe do Secovi-SP (Sindicato da Habitação).