Estamos todos consternados com o maior desastre natural em número de mortes na história do Brasil. As vítimas fatais da região serrana do Rio de Janeiro estão sendo contadas; os prejuízos materiais ainda são incalculáveis; mas a dor sem tamanho das pessoas é pública e notória.
A presidente Dilma Rousseff chegou a afirmar que moradia em área de risco é regra, não é exceção. Em algumas localidades isso até chega a ser verdade. As casas, irregulares, sobem o morro e invadem as margens dos córregos. Então, a chuva torrencial traz tudo abaixo.
As lições de Angra dos Reis e São Luís do Paraitinga, cidades arrasadas no ano passado, não foram suficientes. E mesmo o que estamos vendo em São Paulo, com municípios alagados, é problema recorrente.
Em meio ao desespero de tantos, buscam-se os culpados, especialmente no poder público, que tem a obrigação de fiscalizar e impedir as ocupações irregulares. O mesmo poder público que também teria a obrigação de oferecer moradias populares, por meio de uma legislação factível, ágil e, acima de tudo, baseada em conhecimento técnico de cada situação.
Nesta hora também aparecem as soluções mágicas de se proibir tudo, em termos de crescimento e planejamento das cidades. É a emoção se sobrepondo à fundamentação técnica.
O geólogo Álvares Rodrigues dos Santos esclarece que, há 60 milhões de anos, a escarpa da Serra do Mar (que tem suas leis e seus ritmos) estava a cerca de 50 quilômetros à frente da atual linha do litoral sudeste. Sua atual posição foi resultado de inúmeros escorregamentos, corrida de detritos e erosão.
Isso revela a importância de cuidados especiais ao se definir como ocupar áreas geotecnicamente estáveis, haja vista certas feições de relevo de topografia mais suave junto ao sopé de regiões serranas tropicais.
Inegável que presenciamos no Rio de Janeiro uma fatalidade, com a natureza dando novamente o seu recado.
Mais uma vez, e como sempre acontece, as águas vão baixar. Teremos a limpeza das áreas e a reconstrução. Porém, até quando será possível admitir que algumas reconstruções ocorram nos mesmos locais de risco pelas mesmas pessoas que não têm onde morar, e com a eterna leniência do poder público?
Importante reconhecer que é possível resolver esse problema. Temos engenharia e competência. Há instrumentos e legislações que podem e devem ser ajustados. Felizmente, nosso desafio é equacionar a questão das enchentes e soterramentos. Não sofremos com terremotos, tsunamis ou outros dramas. Sofremos apenas com as águas que caem do céu. Cabe-nos, com união e coragem, construir o grande guarda-chuva de proteção que os cidadãos merecem.
(*) Ciro Scopel é vice-presidente de Sustentabilidade do Secovi-SP.