Heloisa Proença durante evento no Secovi-SP, em 2017 (Calão Jorge/Secovi-SP)

O economista Marcos Cintra, em artigo publicado nesta Folha, afirma que o Cepac (Certificado de Potencial Adicional de Construção), criado por lei municipal em 1995, vem sendo mal utilizado em São Paulo.

Não é o que os resultados das operações urbanas de São Paulo mostram. A Faria Lima e a Água Espraiada arrecadaram R$ 3,91 bilhões e R$ 2,48 bilhões nos leilões de Cepac.

São Paulo foi pioneira na criação em 1995 desse instrumento, que permite arrecadar por antecipação recursos financeiros para desapropriações, intervenções e equipamentos sem ônus para o município.

Os equívocos do professor estão na forma de aplicação do instrumento, criado na lei 11.732/95, que tratava da OU-Faria Lima e que, no artigo 7º, estabelecia que sua aplicação ficasse restrita ao perímetro ali definido e que os recursos arrecadados só poderiam ser utilizados para intervenções previstas na mesma lei.

Em 2001, o Estatuto da Cidade incorporou em seu artigo 34 tal entendimento. Por ser título mobiliário, foi necessária regulamentação da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), que, por meio da Instrução 401/2003, também confirmou a mesma orientação, contemplada nos Planos Diretores de São Paulo desde 2002.

Determinado por lei de cada operação o valor mínimo de face dos CEPAC para que o município possa aliená-los é necessário ainda, a cada leilão, encaminhar à CVM estudo de viabilidade, justificando o potencial construtivo adicional, as intervenções urbanísticas e o número de títulos necessários para financiá-las. Esse estudo orienta a definição do preço mínimo do Cepac a ser utilizado naquele leilão, de acordo com os indicadores de mercado, buscando-se ajustar a oferta à demanda.

A implantação das intervenções previstas terá efeito na valorização da região, derivando na valorização do próprio CEPAC para os futuros leilões.

Pois o principal objetivo das operações urbanas não é financeiro, mas alcançar transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e valorização ambiental na região atingida. Assim, como qualquer instrumento de gestão urbana, deve ser adequado quando não estiver atingindo os objetivos propostos.

Esse é o caso da OUC Água Espraiada, onde o potencial construtivo adicional e os Cepacs autorizados pela lei de 2001 se esgotaram, embora não haja recursos suficientes para as intervenções previstas —particularmente, moradia para a população carente.

Em função disso, foi proposta pelo Executivo e acaba de ser aprovada no Legislativo municipal, por unanimidade, autorização para comercialização de mais 1,1 milhão de m², previstos no EIA-RIMA original da operação, com garantia de destinação de 30% do arrecadado para moradia popular. O valor do Cepac não está sendo alterado.

No caso da OUC Água Branca, é consenso que o valor do Cepac foi inflado em 2013 de forma artificial durante a discussão no Legislativo, na euforia do boom imobiliário.

Na crise econômica que se sucedeu, a Prefeitura deparou-se com uma lei que, após cinco anos, não viabilizou a venda de nem um m² sequer do potencial construtivo adicional, em um exemplo claro de desajuste entre oferta e demanda. Consequentemente, a infraestrutura, as habitações populares e os equipamentos públicos previstos aguardam na congestionada fila do orçamento.

É dever do administrador público responsável adequar a legislação sempre que se faça necessário, tornando viáveis e aplicáveis os instrumentos de gestão urbana, buscando os melhores resultados do ponto de vista do interesse público, equalizando-os à São Paulo do século 21.

Heloisa Proença, secretária municipal de Urbanismo e Licenciamento de São Paulo; arquiteta urbanista pela FAU-USP e Personalidade do Ano em Gestão de Políticas Públicas em 2005