Quando se fala em casa sustentável, logo vem à cabeça reutilização de água e aquecimento solar. No entanto, não são apenas esses atributos que garantem o cerne ecológico da obra. Por trás da construção e das medidas ambientais adotadas principalmente pelo morador, os engenheiros e arquitetos precisam também se preocupar com o processo que envolve a construção desde o projeto até o canteiro de obras. Dessa ideologia, nasceu a casa Madagascar — o nome é em homenagem à planta dracena-de-madagascar. A construção foi aprovada em um concurso da Green Building Council Brasil (GBCB), ONG especializada em construção sustentável.

A ideia começou a ganhar forma no âmbito da pós-graduação da Universidade de Brasília (UnB). “O concurso Referencial CBC Brasil Casa foi lançado em setembro do ano passado, e pensamos ‘por que não?’. Fomos selecionados e, agora, a casa está em fase de construção”, resume a arquiteta Ana Maria Nicoletti. A ONG estabelece regras e cobra relatórios de todo o processo. “Estamos em busca do selo Leed, e acho que vamos conseguir”, comemora Darja Kos Braga, coordenadora da equipe. A certificação é concedida em função dos pontos somados — alguns itens são pré-requisitos, outros são extras.

A equipe é formada por oito profissionais em parceria com os escritórios Bauau arquitetura, Ambiente Eficiente consultoria e Isowatt engenharia. Apesar de ser um projeto-piloto, quem vai arcar com os custos é o proprietário do terreno, o arquiteto Henrique Bezerra. “Está sendo um desafio e tanto construir uma casa onde eu vou morar, um projeto sustentável e, ao mesmo tempo, eficiente e inovador”, comenta. Ele ressalta que construção sustentável não é sinônimo de casa pré-moldada, e que o design da Madagascar é diferenciado. “Muitas pessoas têm na cabeça que projetos ecológicos são sem graça, mas não é bem assim”, enfatiza. O preço do metro quadrado vai sair em torno de R$ 2.300, cerca de 3% mais caro do que o de uma casa convencional do Lago Sul, onde a Madagascar está sendo erguida.

Em meio a plantas e árvores nativas da região, preservadas pelo projeto arquitetônico, erguem-se estruturas metálicas com lajes em steel deck. Nesse sistema, o aço trabalha como forma para concreto, usa-se menos matéria-prima e evita o desperdício de materiais. Madagascar inclui aproveitamento de águas pluviais, aquecimento solar da água, geração de energia fotovoltaica (a partir da luz solar), cobertura verde, materiais de baixo impacto ambiental e uso de equipamentos de baixo consumo energético.

O GBCB, ONG especializada em construção sustentável, não está só preocupado com os resultados da obra, mas com os impactos que ela pode causar ao meio ambiente durante a construção. “Essa é uma nova perspectiva, ela não se baseia somente nos resultados, mas também no processo”, afirma o engenheiro José Eugênio Reis. As madeiras, por exemplo, não podem ficar no chão, devem permanecer a uma altura de 30 cm para evitar desgaste e prejuízo. Foi feito um caminho de brita para que não haja deslocamento de terra da obra para o asfalto. Em um canteiro comum, toda vez que o caminhão sai ou entra na obra, terra vermelha vai parar na rua, o que pode provocar entupimento de esgoto e enxurrada. “Para evitar que isso aconteça, molha-se os pneus do veículo, porém o gasto de água é grande, por isso a opção pela brita, economizamos água e a terra fica toda na obra”, comenta a engenheira ambiental Liane Costa.

O sistema de retenção de água também já foi incorporado: barreiras de sacos de areia foram formadas em pontos estratégicos para quando a chuva chegar. Os resíduos da obra são separados por matéria-prima, todo o solo manejado no terreno será estocado e protegido em baias de madeira para uso posterior. A areia usada na obra também é reciclada. “Prefiro dizer reutilizada, pois não envolve processo complicado, é apenas trituração de resíduos usados em outras obras. Fica até mais barato do que retirar a areia de forma comercial”, comenta Liane. A casa-piloto também traz a questão social — em frente à mesa de almoço dos pedreiros, um painel grande ensina sobre as etapas de reciclagem e reutização e o por que de reciclar.

Outro diferencial do projeto está na maneira como ele é desenvolvido. Em uma construção comum, cada integrante da equipe busca solução de forma individual. Já em um projeto desenvolvido de forma integrada, como é o caso do Madagascar, os profissionais de diferentes áreas devem ter conhecimento de tudo o que está acontecendo na obra — é a chamada forma linear de projetar. “Tudo influi na obra, se eu escolho um determinado tipo de sistema de ventilação para um cômodo e o arquiteto não sabe disso, ele pode escolher um material que não seria o melhor, por isso a eficiência cai”, comenta Darja Kos. É um jeito diferente de planejar, que demanda mais tempo e uma organização impecável. “Não estamos acostumados a fazer dessa forma no Brasil, por isso, sai tudo no remendo. Se começarmos a seguir essa linha, as casas finalmente vão ficar como no projeto inicial”, brinca Henrique Bezerra.

“Acho que ainda falta conhecimento por parte dos empreendedores. Eles acham as construções sustentáveis caras, não sabem a economia que fariam”, comenta Ana Maria Nicoletti. Por questões de planejamento e materiais, as casas sustentáveis podem sair acima do preço convencional, mas o custo se paga com a economia de recursos naturais, como água e energia elétrica. Outro fator a ser considerado nesse tipo de construção é a presença de materiais menos prejudiciais à saúde, com baixa emissão de compostos orgânicos voláteis. “Isso tudo influi na preservação do meio ambiente, mas também na qualidade de vida de moradores e vizinhos”, conclui Darja.

Padrão internacional Leadership in Energy and Environmental Design (Leed) é um selo de certificação e orientação ambiental de construções. Criado no Estados Unidos pelo Green Building Council, é reconhecido em todo o mundo. No Brasil, ele teve de ser adaptado, pois os materiais e as condições climáticas são diferentes, mas os princípios da certificação são os mesmos. Ela leva em conta: espaço sustentável, eficiência no uso de água, eficiência energética, uso de materiais de baixo impacto ambiental, qualidade ambiental interna (ar e luz), o processo de construção e as especificidade de cada região.

Parceria para melhores habitações

Por meio de uma pesquisa desenvolvida pela UnB, o Condomínio Alto da Boa Vista, em Sobradinho, adotou um novo sistema de recarga artificial de aquíferos. Toda a tubulação das casas aponta para o lençol freático, que fica embaixo do condomínio. “Praticamente todas as casas adotaram o sistema, é uma forma de drenarmos a água da chuva e evitarmos problemas com excesso de água”, comenta o sub-síndico e professor Ranulfo Guedes.

Além das medidas sustentáveis, como o uso de energia térmica solar, o condomínio propôs ao governo a construção de um Centro de Estudos Para o Desenvolvimento Sustentável ao lado do condomínio, já aprovado pelo Instituto Brasília Ambiental (Ibram). “O objetivo é construir um centro de pesquisa e experimentação para que possamos aplicar as soluções no condomínio e também divulgar. Vamos buscar parceria com profissionais e a universidade”, afirma Ranulfo.

Os moradores, como o casal de aposentados Antônio, 56 anos, e Joana Farias, 52, apoiam a iniciativa. “O meio ambiente é da onde tiramos tudo para viver e é por isso que devemos preservá-lo”, diz Farias, praticante de esportes ecológicos. “Aqui, além de economizarmos água e de optarmos pelas placas de aquecimento solar, separamos o lixo e tem até dia certo para cada tipo”, comenta Joana. O condomínio fez parceria com uma cooperativa: segundas, quartas e sextas-feiras são dias de lixo orgânico; terças e quintas, de lixo seco.

Orientação

Lançada em abril deste ano, a cartilha Construções e Reformas Particulares Sustentáveis, do Ministério do Meio Ambiente, publicação que faz parte da série Cadernos de Consumo Sustentável, tem o objetivo de informar sobre moradias e reformas sustentáveis. Um mapa de cada cômodo mostra quais são as opções de sustentabilidade que envolvem a escolha de materiais, a iluminação e a ventilação. Na parte exterior da casa, recomenda-se pavimento permeável e uso de materiais de vida útil longa e baixo custo de manutenção. O livreto está disponível para download no site do Ministério do Meio Ambiente.

Fonte: Correio Braziliense, 14/7/2013