Basilio Jafet

Um dos bons legados do Plano Diretor Estratégico de 2014 (PDE) foi a criação dos Eixos de Estruturação e Transformação Urbana (ZEUs). A lógica: orientar o crescimento da cidade nas proximidades do transporte de massa. O foco: melhorar a mobilidade e otimizar o investimento público por meio do adensamento ao longo desses eixos, possibilitando a democratização da infraestrutura e a melhoraria da qualidade de vida das pessoas.

Uma ideia excelente, não fossem alguns equívocos cometidos pelo próprio PDE que comprometeram sua eficácia: apartamentos obrigatoriamente compactos (inadequados a famílias maiores) e perímetro dos eixos com área equivalente a apenas 4% do território da cidade de São Paulo, restrição que limitou em muito a oferta, estimulando proprietários de terrenos a elevar os preços. Resultado: aumento do custo, aumento de preço, unidades adquiridas por pessoas com renda média e alta. Os mais pobres continuaram (e continuam) endereçados às periferias. E a proibição de melhor aproveitamento dos miolos de bairro impediu o aumento da oferta de terrenos e a concorrência saudável para mitigar a especulação dos donos de terrenos nos Eixos.

Em 2021, com o início das discussões necessárias ao diagnóstico que dará base à revisão do PDE, temos coletivamente a chance de fazer escolhas. Escolher entre corrigir ou deixar tudo como está – o que, certamente, não conversa com a maioria dos paulistanos, mas apenas com alguns que, devidamente instalados em suas moradias, não querem dividir espaço. Os chamados NIMBY’s (não no meu quintal, na sigla em inglês), que se movimentam vorazmente contra a instalação de novas habitações em sua vizinhança.

Os NIMBY’s propugnam que fazem isso contra os interesses do mercado imobiliário e a favor dos interesses da cidade. Uma narrativa falaciosa. Não existe essa de interesses de um e de outro. A cidade é um corpo único, que sangra ao ser cortado. Um sangue que, hoje, escorre pelas extremidades. As extremidades do município, para onde são expurgados milhões de trabalhadores que, embora respondam significativamente pelo movimento de nosso metabolismo urbano, na hora de morar são extirpados como corpo estranho.

Objetivos do atual PDE certamente serão preservados na revisão do diploma legal. Ter uma cidade mais democrática, inclusiva, produtiva, sustentável, com bem-estar. O alcance desse ideal não precisa permanecer quimera. É possível ajustar, trazer as pessoas mais para perto, oferecer unidades acessíveis por um mercado cuja produção, vale salientar, é 60% hoje direcionada às famílias enquadradas no programa Casa Verde Amarela.

Além de legislações, a cidade pede mudança de mentalidade por parte daqueles que insistem em ser NIMBY’s. Essa atitude não tem mais lugar; impõe sacrifícios a pessoas que são seus iguais. Devem entender, ainda, que estão na contramão do que vêm fazendo cidadãos no mundo, os quais reconheceram que segregar não é o caminho. Tornaram-se YIMBY’s (sim, no meu quintal). Que as leis e um novo jeito de pensar coloquem moradia e infraestrutura ao alcance de todos.