Em duas reuniões, membros do Conselho Jurídico do Secovi-SP reuniram especialistas em direito imobiliário para por em perspectiva a aplicação da nova lei dos distratos.
Na noite de 13/5, os advogados do conselho jurídico do Secovi-SP Marcelo Terra, Rodrigo Bicalho e Tacito Monteiro trataram de inúmeros artigos, incisos e parágrafos da Lei nº 13.786/2018.
De maneira coletiva, os advogados debateram profundamente os itens da Lei, que se constitui em marco legal de tema importante ao setor imobiliário nacional. O primeiro destaque foi a obrigatoriedade trazida pela nova lei quanto ao uso de quadro resumo nos contratos de promessa de compra e venda de imóveis. No artigo 2º da Lei (Artigo 35A), estão listados os requisitos obrigatórios desse quadro resumo. “Se faltar qualquer um dos elementos, as partes têm 30 dias para fazer os ajustes necessários, sob o risco de ter o contrato rescindido por justa causa”, ressaltou Tacito Monteiro.
Para Rodrigo Bicalho, apesar de discutir a conveniência do quadro resumo, ele ajuda o incorporador a cumprir o estabelecido no Código de Defesa do Consumidor (CDC) quanto à necessidade de manter o comprador devidamente esclarecido. “Esta é uma medida salutar. Contudo, a cláusula de valor de corretagem tem causado algumas dificuldades, porque a realidade prática dificulta o atendimento literal de alguns itens.”
Marcelo Terra defendeu a repetição, no quadro resumo, do teor constante no corpo do contrato. Sobre isso, Bicalho entende que pode haver o risco de se cometer erros, porque o conteúdo repetido tem de ser exato.
Precaução – Terra tem orientado os incorporadores a colherem a assinatura dos compradores embaixo de todas as cláusulas contratuais que tratarem de questões mais sensíveis, como a que se refere às consequências do desfazimento do contrato (inciso VI, do artigo 2º – Artigo 35A), ou a que trata do direito de arrependimento (inciso VIII, do mesmo artigo da Lei).
O direto de arrependimento, que deve ser exercido pelo adquirente do imóvel no prazo de até sete dias da assinatura do contrato firmado em estandes de vendas e fora da sede do incorporador ou do estabelecimento comercial, foi amplamente debatido pelos advogados. Uma das dúvidas apresentadas foi quanto a contagem do prazo de exercício do direito, que atende o estabelecido no CDC, com restituição total dos valores pagos, porque, muitas vezes, a assinatura do contrato pela pessoa jurídica (incorporadora) pode levar até 60 dias. Bicalho disse que tem recomendado aos incorporadores a entrega de uma cópia do contrato para o adquirente ler, refletir e poder exercer o seu direito de arrependimento.
Apesar de Tacito ter considerado a solução boa para efeito de declaração de conhecimento do comprador e consequente contagem do prazo, Marcelo Terra defendeu que o arrependimento não está vinculado à leitura detalhada do contrato, mas sim à compra feita por impulso. Para ele, deve-se usar para a contagem do prazo a data de manifestação da vontade de comprar.
Os debates se estenderam até o Artigo 67A da Lei, que trata do desfazimento do contrato, as penalidades impostas aos adquirentes, em caso de descumprimento do contrato, e aos incorporadores, em caso de atraso na entrega da obra.
O evento mostrou que não há consenso acerca do conteúdo geral da Lei, mas permitiu o debate e o esclarecimento de vários aspectos da legislação, ainda muito nova. “A Lei veio pacificar as relações, mas tem de ser aplicada com parcimônia pelo Judiciário”, ponderou Bicalho.
Já em 20/5, o Seminário Jurídico tratou da “Aplicabilidade e perspectivas no Poder Judiciário frente à lei dos distratos”, com debates entre os advogados Olivar Vitale, Carlos Del Mar e Francisco Loureiro, desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo e integrante da 1ª Câmara de Direito Privado. Dentre os inúmeros aspectos que serão tratados, destaque para a aplicação da lei aos contratos antigos, o direito intertemporal e princípio da irretroatividade, revisão judicial da cláusula penal, artigo 413, do Código Civil, e informações acerca das decisões jurisprudenciais que mencionam a lei.
Na interpretação de Olivar Vitale, a nova lei pode, sim, ser aplicada a alguns contratos firmados anteriormente à sua promulgação. Para ele, não há, nesses casos específicos, conflito algum com o princípio da irretroatividade, preconizado no Art. 5º da Constituição Federal (“A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”).
Após discorrer minuciosamente por teorias que delineiam o que é o ato jurídico perfeito, a coisa julgada e o direito adquirido, Vitale explicou que o termo “consumado” se refere à existência do ato, e não à execução ou seus efeitos materiais — portanto, ato existente e concretizado com seus efeitos pendentes.
“Há uma necessidade de diferenciação entre direitos condicionados, já configurados, mas que se encontram pendentes de exercício, de mera expectativa de direito”, pontuou.
Trazendo essa reflexão ao distrato, Vitale afirmou ser “plausível que a legislação nova atinja os resultados ainda não concretizados de um ato jurídico perfeito, sem ameaça à segurança jurídica, pois o direito adquirido, no caso, o fato concreto gerador desse direito, ainda não se consumou.”
O desembargador Francisco Loureiro, contudo, disse que o Judiciário não tem essa visão. “Nosso posicionamento é de não aplicação imediata da lei aos contratos firmados anterior a ela”, disse. “Dos 120 acórdãos que li, só um previu aplicar a lei retroativamente”.
Carlos Pinto Del Mar, por sua vez, discorreu sobre a aplicação do artigo 413 do Código Civil em eventuais ações de distratos questionando o percentual de retenção de até 50% do valor já pago pelo adquirente.
Diz esse artigo que a penalidade deve ser reduzida equitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio.
Reconhecer a possibilidade de aplicação do art. 413 do Código Civil, para Del Mar, “não significa dizer que a retenção de até 50% não possa ser prevista no contrato. É possível, sim, pois a lei permite. A questão é se o percentual de 50% será considerado excessivo e se o juiz poderá intervir para reduzir”, disse.
O advogado lembrou que a lei dos distratos não “tarifou” a penalidade, mas apenas fixou um limite, de até 50%. Ao fazer isso, não foi afastada a aplicação do art. 413 do Código Civil.
Para o desembargador Loureiro, é perfeitamente possível aplicar esse artigo. “Isso porque se trata de uma norma geral do direito que se aplica a todos os direitos privados”, enfatizou.
Como sugestão para evitar judicialização, Del Mar propôs que as incorporadoras estipulem em seus contratos cláusulas com penalidades escalonadas. As diretrizes para isso são: quanto mais o adquirente pagar, menor será o percentual da pena; aplicação de um critério de equidade e a mitigação de enriquecimento sem causa e da intervenção do juiz.
As apresentações do Seminário Jurídico do Secovi-SP podem ser acessadas na seção downloads do portal.
Fotos do evento estão disponíveis no Flickr da entidade.