Está a humanidade diante da migração do modelo capitalista vigente para um novo modelo econômico? Ou seria mais adequado batizá-lo “Modelo ÉCOnômico”, pois será orientado pela necessidade de sobrevivência de nossa raça, que está caminhando a passos largos rumo à extinção, decorrente das alterações climáticas que começamos a experimentar?
O Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU (IPCC) aponta para um aumento da temperatura global entre 2ºC e 4,5ºC, podendo chegar a 6ºC, comparados às temperaturas médias do período pré-industrial. Uma elevação de 4ºC significaria, por exemplo, um aumento do nível do mar em 59 cm, originando 313 milhões de exilados ambientais, além da ocorrência de fenômenos climáticos severos com graves consequências, principalmente para as populações mais pobres.
Em trabalho publicado pela Revista Nature (ed. 458, de 5/3/2009), o cientista Malte Meinhausen mostra que para mantermos o aumento da temperatura em até 2oC – considerado pouco provável por outros pesquisadores (e que seria o limite máximo para não entrarmos numa condição de instabilidade climática extremamente preocupante) -, precisaríamos cortar as emissões de dióxido de carbono pela metade até 2050. E caso esta marca seja ultrapassada, como temem vários cientistas, precisaríamos mantê-la próximo de zero!
Assim, por conta de pura necessidade de autopreservação, a humanidade alcançará em breve sistemas onde não haverá mais espaço para o desenvolvimento insustentável, que é o cerne do modelo econômico em vigor. Talvez a crise econômica global, cuja gênese reside no consumo exacerbado pelo povo mais consumista do mundo, seja um primeiro sinal concreto dessas transformações.
Infelizmente, a maior parte da população, dos governantes e dos empresários ainda não se conscientizou desse fato, principalmente os atuais representantes da geração economicamente dominante. E não há mais muita esperança de que nos próximos anos sejamos capazes de realizar mudanças significativas.
Porém, muitos de nós esperamos que essa realidade tome outro rumo dentro de poucas décadas, quando os cidadãos da geração dos “Echo-boomers” (os nascidos entre 1980 e 2000) assumirem o controle, para quem sabe evitar a sexta extinção em massa no nosso planeta e permitir que nossos bisnetos possam ainda contemplar esta natureza espetacularmente bela. Podemos prever esta guinada pelas expressões dessa geração, como no desabafo de uma jovem de 15 anos registrado numa pesquisa contratada pela MTV (Dossiê Universo Jovem 4 – 2008):
“Em dez anos, a gente vai sobreviver nessa droga de mundo que estragaram para a gente.”
As organizações que vislumbrarem mais cedo este novo cenário, e tomarem ações eficazes nesta direção, serão aquelas que dominarão num futuro próximo seus próprios mercados.
A indústria imobiliária, atividade que mais consome recursos naturais do planeta – se considerado ciclo de vida completo das edificações -, bem como agente mais importante na formação das cidades (que, em 2025, vão concentrar 60% da população mundial), possui um papel decisivo nessa questão, pois conta com profissionais com imensa capacidade criativa e empreendedora e tem, portanto, alto potencial para liderar esta corrida entre os diversos segmentos produtores.
Os meios de comunicação têm relevância fundamental nesse processo, já que os cientistas realizam seu papel muito bem, porém não são treinados para transformar todo o conhecimento produzido num assunto tão complexo em linguagem adequada para toda a diversidade de pessoas que habitam a Terra.
Portanto, somente a partir do momento em que os consumidores, devidamente informados, reconhecerem o problema e demandarem por produtos e serviços realmente sustentáveis, é que haverá uma mudança consistente na maneira com que empresas e governos abordarão o assunto.
É preciso ponderar sobre um lugar para se viver totalmente diferente do atual, onde não mais haverá espaço para os hábitos que temos hoje. É necessário projetar uma comunidade global, na qual o consumo terá de ser drasticamente reduzido – até por conta da escassez de bens essenciais à vida. Todo e qualquer tipo de produção terá de obedecer a novos paradigmas e será responsabilidade de todos cuidar para que as florestas, sumidouros naturais de CO2, sejam recompostas e preservadas.
Este novo “modus vivendi” certamente não se encaixa no padrão econômico que temos adotado desde a revolução industrial. De onde se conclui o inevitável: temos de criar, imediatamente, um novo padrão econômico e as nações que antes tomarem essa providência certamente estarão na liderança da construção de um modelo definitivamente sustentável.
O Brasil tem sido severamente acusado de desmatar suas florestas e é certo que precisamos alcançar rapidamente um saldo positivo entre cortes – algumas vezes aceitáveis –, e replantios. Porém, é preciso lembrar que a Europa suprimiu 99% de suas florestas primárias, a Ásia 94% e a África, 92%. Se o desflorestamento mundial mantiver esse ritmo, em poucas décadas o nosso país poderá abrigar quase metade de todas as florestas existentes.
As futuras gerações herdarão um “modus vivendi” resultante de um estilo de vida adotado desde a revolução industrial, que nos leva a concluir o óbvio: temos de encontrar um novo padrão sustentável de vida e o Brasil tem potencial para assumir a liderança na construção deste modelo “ÉCOnômico”.
Hamilton de França Leite Júnior é diretor de Sustentabilidade do Secovi-SP