Caio Portugal, vice-presidente do Secovi-SP

A atividade privada de loteamentos, produção de área urbana com infraestrutura, planejamento, espaços públicos (praças, áreas verdes etc.) e privados (lotes) é regida pela Lei nº 6.766/79. Marco regulatório da atividade, a lei determinava, em seu Capítulo VII, as cláusulas obrigatórias que devem constar do contrato. Dentre outros, vale citar o Artigo 25, segundo o qual “são irretratáveis os compromissos de compra e venda, cessões e promessas de cessão, os que atribuam direito a adjudicação compulsória e, estando registrados, confiram direito real oponível a terceiros”.

Também já previa as hipóteses de rescisão e valores de devolução, em seu Artigo 35: Ocorrendo o cancelamento do registro por inadimplemento do contrato e tendo havido o pagamento de mais de 1/3 do preço ajustado, o Oficial do Registro de Imóveis mencionará este fato no ato do cancelamento e a quantia paga; somente será efetuado novo registro relativo ao mesmo lote, se for comprovada a restituição do valor pago pelo vendedor ao titular do registro cancelado, ou mediante depósito em dinheiro à sua disposição junto ao Registro de Imóveis. O legislador tinha preocupação com o equilíbrio do mercado (geração da oferta e proteção da demanda) e somente admitiu rescisão mediante inadimplemento do adquirente. Até porque, a mesma lei apregoa sanção civil e criminal ao loteador inadimplente.

Entretanto, em 1990, a regra do Artigo 35 da Lei 6.766 veio a ser derrogada pelo Artigo 53 da Lei nº 8.078, o Código de Defesa do Consumidor (CDC): “Nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado”.

Também o CDC preconiza a irretratabilidade e a irrevogabilidade do contrato, admitindo a rescisão em caso de inadimplemento do comprador. E mais, o § 1º, que foi vetado, tratava da regulamentação das compensações aos vendedores de imóveis (lotes e unidades imobiliárias) das vantagens econômicas auferidas pelo comprador inadimplente. Quando da promulgação do CDC, a mensagem de veto nº 664 (11/9/1990), emitida pelo presidente da República, expressava: “Torna-se necessário dar disciplina mais adequada à resolução dos contratos de compra e venda, por inadimplência do comprador. A venda de bens mediante pagamento em prestações acarreta diversos custos para o vendedor, que não foram contemplados na formulação do dispositivo. A restituição das prestações, monetariamente corrigidas, sem levar em conta esses aspectos, implica tratamento iníquo, de consequências imprevisíveis e danosas para os diversos setores da economia”.

Igualmente, o legislador alertava que a restituição das prestações monetariamente corrigidas era insuficiente para o equilíbrio de relação. Após 27 anos, a relação que, necessariamente e obrigatoriamente, deveria ser irretratável e irrevogável na compra e venda de imóveis e, em especial, de lotes, desaguou no Judiciário, onde formaram-se jurisprudências anômalas, deformando uma relação que tinha como prerrogativa o direito real. Deforma, ainda, o ditame do CDC e admite a possibilidade de rescisão unilateral dos contratos pelo comprador (não importando se este é ou não inadimplente). Pior, fixa percentuais de devolução que, além de afrontar o equilíbrio do mercado, podem significar um risco sistêmico. Estudo contratado pelo Secovi-SP e a Aelo mostra que, a prevalecer essa jurisprudência, não serão mais ofertados lotes formais e regulares no Estado de São Paulo. O resultado será um alto custo para a sociedade, com aumento de ocupações clandestinas, como recente caso observado às margens das represas Billings e Guarapiranga.

A solução é restabelecer o equilíbrio em duas frentes. No Judiciário, o CDC deve ser aplicado conforme os “princípios da verdade, da Informação e da identificação” e não interferir na relação de compra e venda, além de não possibilitar a quebra irretratável do contrato. Já no Legislativo, é preciso retomar a discussão pendente do §1º do artigo 53 do CDC, vetado há 27 anos.