Cada medida que surge para sangrar os recursos o fundo é uma ameaça à sociedade e, principalmente, às famílias de baixa renda

*Rodrigo Luna, presidente do Secovi-SP, reflete sobre a importância do Fundo de Garantia e destaca os riscos à sociedade das sucessivas investidas aos seus recursos para finalidades diferentes daquelas para as quais foi criado 

Só temos boas notícias no atual cenário de combate ao histórico déficit habitacional brasileiro, estimado na inaceitável casa de 7 milhões de moradias.

Depois de 14 anos desde sua criação, o Minha Casa, Minha Vida (MCMV) agora vive uma nova fase. Finalmente, iniciouse um movimento de alinhamento dos planetas entre as ações governamentais de âmbitos federal, estadual e municipal, todas elas voltadas ao atendimento da demanda da população por um lar.

O MCMV, programa federal, com as recentes mudanças aderentes às necessidades das famílias menos favorecidas, ganhou maior musculatura e propiciou ao setor habitacional melhores condições para o incremento da produção de moradias.

No Estado de São Paulo, o governo está endereçando soluções efetivas. O programa Casa Paulista aumenta o acesso à habitação por meio de recursos complementares aos subsídios do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) a adquirentes de unidades no MCMV.

Já a Prefeitura de São Paulo está firme na condução do programa Pode Entrar, cujo objetivo é ampliar e facilitar a conquista da moradia digna por meio de mecanismos inovadores, possibilitando a construção de empreendimentos habitacionais de interesse social, a requalificação de imóveis urbanos e a aquisição.

O conjunto dessas ações merece ser celebrado pela sociedade.

Abre-se imensa oportunidade de não apenas combater a carência de moradias, como também de ofertar grande volume de empregos diretos e indiretos, gerar impostos e fomentar o crescimento econômico.

Tudo isso sustentado pela parceria entre poder público e iniciativa privada, e apoiado na capacidade de produção do setor imobiliário.

Ocorre que o efetivo sucesso de tudo isso está condicionado a ameaças sem fundamento ao principal pilar de sustentação da habitação de interesse social: o FGTS, criado pela Lei n.º 5.107, de 13 de setembro de 1966, para substituir a estabilidade de emprego e com o objetivo de resguardar o trabalhador.

O dinheiro é atribuído ao trabalhador, cotista do fundo, porém quem paga é o empregador.

Trata-se de um depósito feito em nome dele pela empresa contratante, para lhe assegurar um colchão de proteção e uma aposentadoria a ser utilizada pelo trabalhador em situações de dificuldades, como demissão sem justa causa, doenças graves, invalidez ou morte – a família fica assistida. O saldo da conta vinculada é formado pelos depósitos mensais efetuados pelo empregador, acrescidos de atualização monetária e juros.

Além disso, os recursos do FGTS são utilizados para a aquisição de moradia, o patrimônio de maior valor que se pode ter e que ultrapassa o aspecto financeiro: é teto, um lar, abrigo para a vida.

No início de cada mês, as empresas empregadoras depositam em contas abertas na Caixa Econômica Federal, em nome de seus empregados, o valor correspondente a 8% do salário de cada funcionário. Não é descontado do trabalhador, como o Imposto de Renda. É, de fato, um adicional salarial.

Diante de tudo isso, cada medida que surge para sangrar os recursos o fundo – caso do saque-aniversário, em que o trabalhador praticamente come sua aposentadoria futura – e mesmo as sucessivas tentativas de usar esse dinheiro para finalidades diferentes daquelas para as quais o FGTS foi criado se constituem em ameaças à sociedade e, principalmente, às famílias de menor renda.

Soma-se a isso a sistemática e não fundamentada discussão sobre a baixa remuneração dos depósitos do trabalhador no FGTS. Argumenta-se que, na comparação com aplicações em outros ativos oferecidos pelo mercado financeiro, os detentores de contas no fundo são prejudicados; que a remuneração de Taxa Referencial mais 3% ao ano, somada à distribuição dos lucros do fundo, está distante de outras possibilidades oferecidas; etc.

Os números, todavia, põem por terra essa tese. No ano passado, a rentabilidade do FGTS foi de 7,09%, superando o IPCA de 5,79% e encostando na caderneta de poupança (7,90%). É provável que ativos de risco tenham apresentado resultados melhores. É o custo do risco.

Risco que o Brasil, que precisa de dinheiro acessível para viabilizar suas políticas públicas, não pode correr.

Adicione-se, ainda, que a atual taxa de urbanização do País – estima-se que 87% dos brasileiros vivem em áreas urbanas – é consequência da aplicação do FGTS em moradia e infraestrutura. Foi o FGTS que, ao lado da caderneta de poupança, criada em 1964, financiou milhões de lares e deu vida às cidades que temos hoje.

Não resta dúvida de que o FGTS é hoje o principal fundo de desenvolvimento social do Brasil e proporciona um enorme ganho financeiro e patrimonial aos seus cotistas. E mesmo quem não é cotista do fundo pode dele se valer para comprar a tão sonhada casa própria.

Impedir o desastre social e econômico de mudanças no fundo é missão da sociedade.

Indiscutivelmente, é muito mais seguro e vantajoso para o cidadão ter emprego, casa própria, saneamento básico, mobilidade e, ainda, a geração de impostos que trazem a prosperidade que todos almejam do que uma mera aplicação financeira sobre seus parcos recursos no FGTS.

Cada medida que surge para sangrar os recursos o fundo é uma ameaça à sociedade e, principalmente, às famílias de menor renda.

 

 

 

*Artigo publicado na edição de sexta-feira, 20/10, do jornal O Estado de S.Paulo (Espaço Aberto, p.A5)