Rafael Cohen, presidente da Asbrass; Rolando Mifano, vice-presidente do
      Secovi-SP, e deputado federal Paulo Ganime, na abertura do evento

O 1º Simpósio de Self Storage discutiu no último dia 8/8, as questões jurídicas e tributárias que caracterizam a atividade em evento organizado pelo Secovi-SP e a Associação Brasileira de Self Storage (Asbrass). 

A coordenação da iniciativa ficou a cargo da advogada Fernanda Lisboa, presidente do Capítulo 111 do Estado de São Paulo do IREM (Institute of Real Estate Management), que destacou a importância do self storage. “O tamanho e a expressividade deste setor é imenso. As 32 associadas à Asbrass possuem um faturamento de cerca R$ 350 milhões por ano”, mencionou. 

Em sua fala de abertura, Rafael Cohen,  presidente da Asbrass, destacou que a atividade de self storage é inovadora, baseando-se em dois conceitos: colaboração e compartilhamento. “Contribuímos para a melhoria do meio ambiente, do ordenamento urbano e para a recuperação de áreas industriais degradadas. Estrategicamente, colaboramos também com nossos competidores, na busca da consolidação da atividade, na sua divulgação, e na construção de uma regulamentação mínima que permita ao setor crescer de forma sustentável e segura”, afirmou Cohen.

Por ser uma atividade recente no Brasil, Cohen disse que existem inúmeros impasses a superar. O maior deles, segundo o dirigente, é a questão do real enquadramento tributário, que tem sido fortemente questionado na esfera municipal. “Em algumas localidades, tivemos todas as nossas associadas autuadas por não pagamento de ISS, quando entendemos, que como atividade imobiliária que somos, este imposto não se aplica. As tentativas de diálogo para evitar a via judicial, infelizmente, não têm prosperado”, afirmou. “Por meio da colaboração e do compartilhamento de conhecimento, chegaremos com celeridade a soluções que estimulem o livre mercado, a geração de riquezas, e sobretudo, atendam ao interesse dos cidadãos”, considerou. 

“Esse é um mercado em evolução”, salientou Rolando Mifano, vice-presidente de Gestão Patrimonial e Locação do Secovi-SP, que enumerou várias utilidades do self storage. “Os imóveis compactos não são modismo. Vieram para ficar e o self storage é uma extensão destes imóveis. O brasileiro gosta de guardar coisas. A cultura acumuladora ainda perdura”, disse, acrescentando que os escritórios tradicionais estão mudando para coworking e flex office. “O comércio também precisa de espaços adequados para armazenar estoques.” 

Paulo Ganime, deputado federal (Partido Novo), contou que morou alguns anos nos Estados Unidos e via as unidades de self storage, mas não sabia as características deste negócio. “Depois que fui convidado para o evento, estudei e agora entendo a relevância deste setor, ainda pequeno no Brasil, mas que tem um potencial muito grande”, afirmou o deputado. “Todas as iniciativas que tenham como propósito gerar desenvolvimento econômico e mais empregos, eu sou favorável”. 

Reforma tributária – Em palestra intitulada “O Brasil e as tentativas da reforma tributária”, o advogado Ricardo Lacaz Martins, integrante do Conselho Jurídico do Secovi-SP, falou sobre o tema, que está em discussão no País e que vai afetar o contribuinte final, inclusive, o inquilino de self storage.  

“O Brasil tributa excessivamente a produção. Toda a carga tributária é recolhida pela empresa. É mais fácil tributar e fiscalizar a empresa. Tudo isso é repassado para o preço e quem vai pagar a conta será o consumidor final. Tributar empresa só aumenta o custo do produto, impossibilita o consumo e dificulta o crescimento da economia”, afirmou Lacaz, adicionando que “o Brasil é campeão mundial de tributação da folha de pagamento do salário, encarecendo a contratação de pessoal.” 

Os principais objetivos de uma boa reforma tributária, segundo Lacaz, são realocação das bases tributárias, redução dos entes tributantes e desoneração dos investimentos. A necessidade de reforma tributária é um antigo consenso. Governos anteriores discutiram e tentaram implementar as alterações constitucionais para, potencialmente, melhorar o sistema tributário. Mas nenhum deles obteve sucesso. “Agora, novamente, muito se discute sobre a unificação de tributos federais”, disse, mencionando que o principal projeto de reforma em discussão é a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45. 

“A PEC 45 é capitaneada pelo presidente da Câmara Rodrigo Maia, que tomou pra si o projeto do Centro de Cidadania Fiscal, do economista Bernard Appy. Ele tenta criar o IVA (Imposto sobre o Valor Agregado), unificando todos os tributos sobre a receita (PIS, Cofins, ICMS, ISS etc.), resultando em um Imposto sobre Bens e Serviços, com foco na tributação no destino e não na origem, como é atualmente”, explicou. Também há a intenção de recriar a CPMF, com uma possível contrapartida da extinção da tributação sobre a folha de salários, todas medidas de alto impacto na vida dos contribuintes que, de fato, têm potencial para reorganizar o sistema tributário nacional, para o bem ou para o mal”, afirmou. 

Atividade de self storage – Thiago Cordeiro, diretor financeiro da Asbrass, contextualizou o mercado em que o self storage está inserido. “A atividade de self storage caracteriza-se pela preponderante atividade de locação traduzida na disponibilização de espaços (boxes) individuais, temporária, para uso exclusivo do inquilino na modalidade de autosserviço. Ou seja, o inquilino é responsável pela colocação, guarda, manutenção e retirada do bem”, explicou Cordeiro, detalhando ainda o funcionamento de unidade de self storage. 

Em seguida, o juiz José Gomes Jardim, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), falou sobre o seu entendimento com relação à  tributação do Imposto Sobre Serviços (ISS) sobre o self storage. “Essa atividade pode ser considerada um serviço? Essa é a primeira pergunta a ser feita. Depois, verificar se já não é tributada pelo ICMS”, indicou o magistrado. “Quem vai definir se será tributado pelo ISS ou ICMS é a Lei Complementar”, informou, referindo-se às Leis 87/1996 (ICMS) e 116/2003 (ISS). “Se a atividade se self storage não é uma espécie de guarda ou depósito, não pode tributar pelo ISS”, resumiu Jardim. 

Na opinião de Zenaide Alves, presidente da Associação Brasileira dos Advogados do Mercado Imobiliário (Abami), a atividade de self storage não deve ser submetida ao ISS. “É uma espécie de locação”, justificou, acrescentando que “o contrato é totalmente atípico”. Zenaide também vê a necessidade de uma regulamentação da atividade. “Os empresários precisam de segurança jurídica para exercer essa atividade sem medo”, afirmou a advogada, que aproveitou para convidar o presidente da Asbrass, Rafael Cohen, para participar de uma reunião na Abami, no Rio de Janeiro.  “É importante essa união de esforços”, destacou a coordenadora do painel, Fernanda Lisboa. 

Questões jurídicas – De origem americana, a atividade de self storage existe desde a década de 1960, e a essência é de uma locação imobiliária, contextualizou Thomaz Whately, membro da vice-presidência de Gestão Patrimonial e Locação do Secovi-SP, em painel coordenado pelo advogado Jaques Bushatsky, diretor de Legislação do Inquilinato do Secovi-SP.

“Trata-se uma locação de unidade autônoma para armazenamento de bens diversos. A acomodação, o armazenamento e a retirada são feitas pela terceiros. É autogestão: o inquilino cuida do que está guardado. Isso é importante para mostrar que não é uma prestação de serviços”, ressaltou Whately, que também apresentou as diferenças entre armazenamento, depósito e self storage.

“O serviço de armazenamento refere-se mais propriamente às atividades dos armazéns-gerais, submetidos a um regime especial de responsabilidade. Ademais, o serviço pressupõe um dever de manutenção, de conservação e de cuidado dos bens armazenados, dever inexistente na relação entre o self storage e seus clientes”, disse, salientando que o operador de self storage não tem responsabilidade sobre os danos causados a terceiros, ainda que resultantes de caso fortuito ou força maior, conforme previsão contratual.

O advogado Rodrigo Dias, especialista em Direito Tributário, chamou a atenção para a importância do entendimento do que é serviço de qualquer natureza, citando a Lei Complementar 116/2013. A incidência do ISS, de competência dos municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador. “Se é atividade de locação, não comporta prestação de serviços”, afirmou Dias.

O advogado destacou alguns pontos de atenção: o contrato se reveste de formalidades necessárias? Existe na atividade acesso e manuseio, carga e descarga, transporte dos pertences do locatário? Há responsabilidade sobre os pertences do locatário? Existe custódia? Cuidados de conservação? Há prestação de algum tipo de serviço que não seja inerente ao contrato de self storage? “Se o operador faz tudo isso, não é self storage”, afirmou.

“É fundamental se organizar e esclarecer o mercado”, aconselhou Dias, que disse estar previsto no Código Civil os deveres do locatário de garantir segurança, facilitação de acesso, limpeza do espaço comum. “Se fizer coisas além – como manuseio, recebimento e remessa de bens do locatário – , é importante tomar cuidado, assim como ter atenção com o material publicitário.”

“A propaganda é muito importante. Divulgar algo que não esteja no contrato prejudica a empresa”, ressaltou Fábio Santana, procurador do município de São Paulo. O ordenamento jurídico assegura o “dolus bonus”, que é aquele exagero que o vendedor faz na hora da venda. Não há problema. O que não pode é iludir o consumidor”, afirmou Santana. “Essa é a diferença entre cantada e assédio”, brincou Bushatsky. 

Enquadramento no CNAE – O advogado Francisco Mutschelle Junior, integrante do escritório Borges & Pires Debates, coordenou os debates sobre aspectos do enquadramento das empresas na Classificação Nacional de Atividades Econômicas. “O CNAE não foi inventado do Brasil. Foi baseado em uma norma da ONU”, informou Mutschelle, destacando que, em 2013, o CNAE 6810-02 trouxe a menção expressa ao self storage, resultado do trabalho do Secovi-SP e da Asbrass para que a atividade fosse classificada pelo IBGE, órgão gestor do CNAE. 

Para ele, o ponto mais importante foi reconhecer o self storage como uma atividade autônoma, que possui suas próprias características e não se confunde com outra. “O CNAE é usualmente utilizado como critério de enquadramento pelos diversos órgãos de administração tributária no Brasil”, disse Mutschelle, que finalizou chamando a atenção para a elaboração de um bom contrato de locação. “Ele precisa ser claro, com previsões detalhadas e prestigiando o dever de informação e de oportunidade de o locatário resolver as questões como o de inadimplemento”, exemplificou.  

“É importante conversar com o Fisco municipal, aperfeiçoar o modelo de contrato e não deixar margens para dúvidas. Pois, na dúvida é pró-fisco”, afirmou  Fúlvio Piccinini Albertoni, secretário municipal de Fazenda de Juiz de Fora (MG) e vice-presidente do Fórum Nacional de Secretários Municipais de Fazenda e Finanças. “O self storage é locação, mas é preciso tomar cuidado com os penduricalhos”, alertou. “É fundamental os munícipios tributarem. O município é a ponta, onde acontece os problemas e chegam as demandas.”

O professor Alberto Macedo finalizou os debates, apresentando o conceito de serviço e o ISS. Segundo ele, essa adjetivação de serviço de qualquer natureza, aliás, faz muito mais sentido quando se entende que o constituinte incorporou o conceito econômico de serviços.

“Diferentemente do conceito de serviços no Direito Civil (e não no Direito Privado como um todo – que não demanda maiores exercícios interpretativos, por ser facilmente apreensível (embora dificilmente aplicável numa série de atividades econômicas), o conceito de serviços na Economia, de maneira distinta, já apresenta, de pronto, uma vagueza semântica caracterizada pelo conjunto de atividades econômicas que não consubstanciam, como produtos, bens materiais. Tal vagueza, ao ser acompanhada da expressão “de qualquer natureza”, denota que é tributável pelo ISS toda a residualidade desse conceito no universo da atividade econômica”, afirmou Macedo.

Ele também citou uma diretiva IVA do Conselho da Comunidade Europeia (1977), que diz: “prestação de serviços entende-se qualquer prestação que não constitua uma entrega de bens. Essa prestação pode, designadamente, consistir na cessão de um bem incorpóreo representado ou não por um título; na obrigação de não fazer ou de tolerar um ato ou uma situação; na execução de um serviço prestado em consequência de ato de Administração Pública ou em seu nome ou por força de lei”, citou Macedo, que é autor do livro Direito Tributário e os Novos Horizontes do Processo.

Confira as fotos do evento e as apresentações dos palestrantes.