São necessários vários investimentos para atender toda a demanda

O trabalho Atlas Esgotos – Despoluição de Bacias Hidrográficas, desenvolvido pela Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental do Ministério das Cidades e coordenado pela ANA (Agência Nacional de Águas), traz números preocupantes.

Diariamente, as 5.570 cidades brasileiras geram 9,1 mil toneladas de esgoto, e 106 municípios com mais de 250 mil habitantes são responsáveis por 48% dessa produção. Do total desse esgoto diário, 42,6% são coletados e tratados, ou seja, menos da metade. Trinta e nove por cento de toda carga orgânica gerada – mais de 3,5 mil toneladas – são removidas pelas 2.768 ETE (Estações de Tratamento de Esgoto) espalhadas por todo o território nacional, antes de seus efluentes serem lançados em corpos d´água.

Está chocado com os desequilíbrios estatísticos? Então continue a leitura, porque eles aumentam ainda mais.

Das 5,5 mil toneladas restantes de esgoto, 18,8% são coletadas e não tratadas, e depois lançadas nos corpos hídricos pelas prestadoras de serviço. Para fechar a conta, 38,6% do total de esgoto produzido não são coletados e permanecem em meios diversos, como fossas sépticas, redes de águas pluviais, sarjetas, ou são dispostos diretamente no solo e nos corpos d´água. Ficam a céu aberto.

Esse excesso despejado no meio ambiente sem os cuidados e os tratamentos adequados comprometeu mais de 110 mil quilômetros de rio, tornando inviável e proibida a captação de água para abastecimento público em 83.450 quilômetros de extensão.

Com tantos obstáculos, serão necessários altos investimentos financeiros na universalização do saneamento no Brasil, um país com mais de 270 milhões de brasileiros, conforme a última estimativa divulgada em 30 de agosto deste ano pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), e um déficit habitacional superior a 7 milhões de unidades.

Tamanho da vergonha – Em 2011, o Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) publicou a Resolução Conama 430, na qual prescreve o tratamento de pelo menos 60% da DBO (Demanda Bioquímica de Oxigênio) antes de o esgoto ser lançado nas bacias hídricas. Porém, 70% dos municípios brasileiros não possuem sequer uma estação de tratamento de esgotos para cumprir essa recomendação.

Inclusive, o percentual prescrito pelo Conama só é atingido em 14% dos municípios localizados, em sua maioria, na região Sudeste. Somente o Distrito Federal consegue remover mais do que 60% da carga orgânica do esgoto, chegando a 82%. No Estado de São Paulo, 70% das cidades removem mais de 60% de poluentes presentes no esgoto, e 61 municípios ultrapassam os 80%. Mesmo assim, o índice total do Estado é de 50% de remoção, assim como o do Paraná.

Medo justificável – A experiência acumulada em 32 anos de atuação empresarial na área de loteamentos garante a Caio Portugal – que é vice-presidente do Secovi-SP na área de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente e também presidente da Aelo (Associação das Empresas de Loteamento e Desenvolvimento Urbano) –, amplo conhecimento dos problemas que cercam a coleta e o tratamento de esgoto.

Massato: “Existem grandes fundos de pensão
interessados no Brasil”

O dirigente tem consciência que os empreendedores imobiliários afetam o meio ambiente e são geradores de grande demanda de usuários das redes de distribuição de água e de coleta de esgoto – razões que explicam parte das exigências legais que os loteadores têm de cumprir e a necessidade de submeter os seus projetos à aprovação em diversos órgãos públicos estaduais e municipais. Entretanto, isso não impede Portugal de externar sua preocupação com a falta de investimentos da Sabesp na expansão das Estações de Tratamento de Esgoto no Estado, e também de ligar este problema à obrigatoriedade do setor de proteger o meio ambiente e garantir a conservação do maior e mais importante recurso natural, a água.

As dificuldades de as prefeituras desenvolverem planos de saneamento convergentes com as diretrizes dos planos diretores interferem negativamente no trabalho dos loteadores, ainda vistos por alguns gestores municipais como os “causadores de grandes problemas”. Esta afirmação é atribuída ao preconceito e à falta de conhecimento da atuação de um setor que passou por profundas mudanças nos últimos 20 anos e elevou o nível de profissionalização dos empreendedores imobiliários, principais agentes no processo de prover habitação para milhões de famílias no Estado de São Paulo.

Começar na nascente – Com o objetivo de iniciar o debate sobre a aplicação de recursos na expansão de coleta e tratamento de esgoto, o vice-presidente Caio Portugal convidou Paulo Massato, diretor Metropolitano da Sabesp, para uma conversa franca, que aconteceu no início do mês de outubro, na sede do Secovi-SP, e teve a participação de representantes da Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo) e do Graprohab (Grupo de Análise e Aprovação de Projetos Habitacionais do Estado de São Paulo).

Para justificar a falta de investimento em saneamento, Massato lembrou que a Sabesp não recebe recursos carimbados do Estado ou da União, e opera unicamente com a receita originária da cobrança da tarifa de distribuição de água. Além disso, a concessionária teve de solucionar a crise hídrica de dois anos atrás e investir agressivamente na construção emergencial das reservas técnicas, os chamados ‘volumes mortos’. A implantação do Projeto de Despoluição do Rio Tietê também foi postergada.

Com arrecadação anual média de R$ 2,3 bilhões, a Sabesp tem de lidar com um enorme conflito no momento de distribuir seus recursos, conforme afirmação de Paulo Massato. E como são necessários R$ 14 bilhões para universalizar a rede de coleta e tratamento de esgoto da Região Metropolitana de São Paulo, o projeto vai para o fim da lista de prioridades da concessionária.

Jabuticaba – A Sabesp é uma empresa com características singulares, porque tem o governo do Estado de São Paulo como seu maior acionista, está listada na bolsa de valores de Nova York, tem governança corporativa desenvolvida, mas só pode contratar funcionários por concurso público, cumpre regras restritivas e rígidas, é regulada pela Arsesp (Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo) e pela Cetesb – agência governamental de controle, fiscalização, monitoramento e licenciamento de atividades geradoras de poluição das águas, do ar e do solo. Presta contas ao TCE (Tribunal de Contas do Estado de São Paulo) e, permanentemente, ao Ministério Público Estadual. Uma verdadeira “jabuticaba”.

Portugal sugere a criação de oficinas de trabalho

Como tem de lidar com a impossibilidade de aumentar o valor das tarifas de seus serviços, a Sabesp foi buscar uma alternativa junto ao governo estadual. E conseguiu. Com a aprovação na Assembleia Legislativa do Projeto de Lei 659/2017, sancionado pelo governador Geraldo Alckmin, fica permitida a criação de holding controladora da Sabesp, possibilitando, assim, a associação de empresas privadas ao Estado de São Paulo, que permanece como sócio maioritário da concessionária detendo 50,3% de suas ações.

“A perspectiva é de arrecadar aproximadamente R$ 5 bilhões. Existem grandes fundos de pensão do Japão, da China, do Canadá e dos Estados Unidos interessados em investimentos e aplicações de longo prazo no Brasil”, disse Massato.

Saídas razoáveis – Considerando a expertise do Secovi-SP na superação de gargalos junto a empresas concessionárias de energia elétrica e de telefonia, Caio Portugal sugeriu, na ocasião, a realização de oficinas de trabalho com representantes da entidade, da Sabesp, da Cetesb e do Graprohab. Nesse fórum, medidas imediatas e de médio prazo para solucionar a falta de sistemas de coleta e tratamento de esgoto em municípios com projetos de loteamentos seriam discutidas e elaboradas, até chegar a soluções definitivas.

Massato prontamente apoiou a ideia. “É difícil atendermos empreendimentos imobiliários distantes 12, 15 quilômetros uns dos outros. Eventualmente, analisar a tendência de ocupação dos terrenos pelos loteadores ajudaria a Sabesp a se planejar”, ponderou.

O diretor da Cetesb, Geraldo do Amaral Filho, também achou interessante a criação de uma oficina específica para tratar de infraestrutura e saneamento básico. “A troca de conhecimentos técnicos e o esclarecimento de dúvidas nos permitem achar formas de melhorar e aumentar a fluidez na aprovação de projetos”, disse.

Solução colegiada – Mesmo depois de decidirem pelas oficinas, Portugal apresentou algumas saídas razoáveis para driblar a falta de recursos da concessionária, como a criação, entre empreendedores, de consórcios voltados ao desenvolvimento de projetos de instalação de infraestrutura sanitária.

Em uma solução colegiada, os loteadores com projetos próximos uns dos outros cotizariam as despesas de instalação de uma Estação de Tratamento de Esgoto, cujo desenvolvimento seguiria os padrões técnicos corretos da concessionária para o despejo de esgoto em local apto a recebê-lo. Obviamente, essa alternativa depende da viabilidade econômico-financeira do projeto, e da participação da Sabesp na operação, inclusive, para evitar a instalações impróprias.

Sistema de coleta, afastamento, tratamento e disposição final dos esgotos sanitários desenvolvido entre as empresas, de maneira compartilhada, tem sido estimulada pela Cetesb, conforme explicação de Amaral Filho. “É uma opção eficiente e não onera os adquirentes de imóveis.” O diretor alerta, porém, que sistemas isolados têm sido instalados por profissionais despreparados, inexperientes e sem conhecimento técnico. “Saída desastrosa, com prejuízos à saúde da população e ao meio ambiente.”

Responsabilidade compartilhada – De qualquer forma, nos projetos de loteamentos ou condomínios previamente aprovados, as propostas alternativas de saneamento precisam ser adequadas, tanto técnica como legalmente. “Se implantada conforme o projeto aprovado e demonstrada a sua eficiência, entendo não haver risco de responsabilização futura do incorporador ou empreendedor em situações de despejo de carga orgânica no meio ambiente”, ressaltou Amaral Filho. “O problema reside na continuidade de operação inadequada. Essa sim pode ensejar responsabilização”, completou.

Em locais operados por concessionárias de serviços de saneamento, elas são as responsáveis por coletar e dar destino ao esgoto, diferentemente das operações individuais realizadas pelos condomínios, que devem assumir essas obrigações.

“Precisamos encontrar soluções técnicas salubres de curto prazo, econômica e financeiramente viáveis para as empresas, e que permitam desdobramentos futuros”, opinou Portugal. Uma alternativa à ETE que tem gerado dúvida aos loteadores é a fossa filtro. “Mesmo bem aceita pela Agência Nacional de Águas, ela envolve aquífero, subsolo e mananciais”, justificou.

O fato é que as empresas de loteamento querem ter segurança jurídica. “A solução ideal seria aproximar empreendedores e companhias ambiental e de saneamento, para cobrarem dos municípios a elaboração e a apresentação de planos de metas de saneamento. A partir disso, a Sabesp regularizaria em contrato os termos de concessão dos serviços de coleta e tratamento pelos municípios. Ficaria mais fácil cobrar das prefeituras instalações de infraestrutura de saneamento. O momento é de cada um assumir suas responsabilidades”, opinou Caio Portugal.

Até chegar ao modelo ideal, a Cetesb recomenda a previsão nos projetos habitacionais ou de parcelamento de solo da interligação dos efluentes coletados nos empreendimentos futuros com o sistema público de esgotamento sanitário, que se encarregará de afastar e tratar os resíduos orgânicos antes de descartar no meio ambiente.

Reportagem de Shirley Valentin, publicada na edição 287 da Revista Secovi-SP – A revista do Mercado Imobiliário

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